Fim da aula de dança. Estava escuro nos meus olhos. Eu quase dormia, pensamentos aleatórios, e inclusive a imagem do login e a senha. A senha, acessando minha conta, o último clique. Estava a um passo de checar minhas mensagens, estava quase lá, quase um alívio, dose pós-abstinência. Heroína.
Meus pensamentos involuntários não alcançavam mais. Não estava instalado em mim. Tudo se interrompeu, a conta não acessava. Sim, estava tudo dentro da cabeça, e inclusive eu estava quase dormindo, e então, um espasmo.
Agora aquela imagem de você formatando o maldito computador... você desistindo. Só queria um abraço na cama, um beijo sem fôlego: você veio, mas primeiro você demorou. A gente sem frio, sem calor, naquela cama nem fria nem quente. Mas gostava de estar ali.
Gostava de ver você me formatando. Queria ver você me formatando. Ah, a imagem... e você me formatando. E então você some. Não te acho na conta, no login, na senha, nem no frio, nem no calor. As mensagens dizem nada. Falo, não ouço de volta nem o eco. Branco.
Ainda estava deitada no chão, na dúvida se era sono, porque escutava as vozes das outras pessoas conversando no fim da aula, sentadas sobre aquela madeira velha. Sentia dois pés frios, trêmulos, em cima das minhas pernas, me tocando de um jeito nervoso, solitário, esquizofrênico, a aflição daqueles pés em mim, pedindo socorro, e eu usava o sono pra me esconder. Não estou com vontade de entender a agonia dos seus pés agora, vá, saia daqui.
Anestesia, e fomos embora. Sentia tudo anestesiado. Visão média, audição média. Vontade de nada também. Conversa nenhuma e só preguiça. As rodas da carona me arrastaram até a porta de casa. Como heroína, veio a real sensação. Agora sim, a verdadeira sensação: conta, login, senha, mensagens. Por um momento, tudo se repetia - nenhuma resposta, nada. Os ruídos na minha cabeça me faziam querer dormir. Então houve um banquete. Fui devorada inconsciente, metade viva (não estava ali por inteiro, essa é a verdade), por sete besouros famintos.
Ódio amargo, como besouros famintos, me engoliam... Senti eles, pousando nos meus dedos, nas pálpebras, na barriga. As patas finas, caminhando lentamente, comendo pequenos pedaços de mim.
Algum pedaço daquela lembrança me acordou. Meu corpo ainda estava inteiro, mas restavam asas marrons mornas quebradas, dos meus besouros. Acho que agora estão dentro de mim(acho que engoli).