Falésia

   Está tudo uma bagunça, estou repetindo as mesmas aflições, porque tudo é igual. Cada dia que acaba me sinto mais aleatória, não consigo escrever, nem pronunciar direito, parece mais fácil copiar o que eu já tinha escrito antes, e a preguiça me carrega, porque ando tão mole, que ela está sempre um pouquinho menos cansada que eu. Prefiro de todo jeito, dizer que estou confusa, e que não consigo fazer mais nada, porque é tão pior ficar confusa, não conseguindo, e ainda calada, que me dá tédio, e vontade de contar para algum cachorro que passe reto por mim na calçada. Eu devia ser como ele, quando vejo você preguiçosa me seguindo, esperando que eu te carregue, esperando que eu te dê meus sonhos para você copiar, passar ao limpo, ainda que o faça extremamente mal feito, devo lhe dizer.
   Seu cabelo se parece com o que eu deixei crescer, seus brincos estão sempre iguais aos meus, suas músicas parece que saem da minha boca e você suga pelos ouvidos, e diz que são suas. Sua poesia é uma prima invejosa dos meus sofrimentos, de tudo que cai na minha vida. Parece até que nos acontecem as mesmas coisas.
   Te imagino em sua casa, aflita, não estuda, não finge, só grita. Chora. Procura roupas pela casa que te lembrem algo peculiar que usei. Se eu pudesse te tirar disso...
   Você gosta tanto de mim, que tenho raiva, mas não consigo te empurrar, e depois sair sem dar nem adeus, te olhando cair das minhas falésias tristes, porque não gosto que se arrastem atrás de mim, esperando eu jogar um pouco do meu ar no chão, para respirarem meu nome, em decadência...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/17/2011 04:51:00 PM | 8 comentários

Matei formigas ontem?

   Vi duas gêmeas na rua, uma estava com a cara mais enrugada que a outra, e a segunda tinha mexas cor-de-rosa, mas as duas tinham combinado de deixar o cabelo loiro pintado, e os olhos verdes de verdade, do jeito que tinham nascido. 
   Comprei dois pirulitos da minha marca favorita, cada um vinte e cinco centavos, e a vendedora falava com uma moça que tinha acabado de sair da casa da patroa pra pegar um ônibus, e acabara de perdê-lo, sem saber, porque as duas conversavam sobre uma menina, que queria ter uma menina, e não queria saber se aquilo ia atrapalhar a vida dela. Mas, só uma das moças a conhecia, e se a grávida abortaria ou não, a segunda não se importaria na hora que estivesse fazendo o nescau de Beto e Fernandinha, na hora do lanche, quando a patroa ligasse dizendo que já já ia pegar eles pra levar pra natação. Lambuzei meus dedos com o pirulito que devia estar naquele sol há meses. A embalagem estava difícil de sair, vários pedacinhos dela grudavam enquanto eu tentava me livrar deles, e meu cabelo achou que aquela era uma boa hora para se espalhar na frente dos meus olhos, bem desgrenhado. Não podia tocar no meu cabelo com aquelas mãos grudentas, meladas de pirulito gosmento de maçã verde. 
   Resolvi tudo o que tinha para fazer no centro da cidade, e no ponto de ônibus perguntei ao vendedor de pipoca, depois de pedir salgada em cima e doce embaixo, sem manteiga, e ainda assim receber o contrário e com muita manteiga, qual ônibus ia pra o lado que eu queria. O pipoqueiro me fez andar um bocado até um prédio lá doutro lado, e ainda peguei o ônibus errado. Entrei, e quando vi que o motorista estava fazendo a volta no lugar errado, me levantei num estalo e puxei a cordinha, resolvi que ia andando para casa, enquanto pensava no que o pai de uma amiga minha sempre falava, que "de graça até ônibus errado". Discordei, achei a maior idiotice de todos os tempos, ainda mas que havia me custado dois e cinquenta.
   Na quinta-feira peguei outro ônibus errado, com Ricardo, o que era de se esperar, parecemos dois meninos de doze anos quando nos juntamos para fazer sei lá o que, e acabamos deixando de fazer pra ficar rindo de tudo que não tem graça, e de nada também. Saltamos do ônibus e o semáforo estava no vermelho, refletimos rapidamente pela falta de costume das pessoas de dar carona aos outros. Fomos na janela de um carro, com um homem negro no banco do carona e uma loira rica dirigindo, um carro era simples, cheio de tralhas e uma cadeira de bêbê, sem bêbê. Perguntamos se eles estavam indo para a mesma direção que a nossa, e pedimos carona. Ficamos o caminho inteiro rindo internamente e baixo da conversa dos dois, dos objetos inusitados dentro do carro, e pensando o que eles eram um do outro, parecia qualquer sonho sem nexo. Mesmo assim, foi uma boa carona, chegamos. 
   Seis e meia da noite, atravessei a rua correndo, antes dos trezentos carros que vinham depois de mim, e vi o meu mendigo preferido, mais bonito do que nunca, com seus cabelos cacheados, saltitante, como sempre. Me mandou um beijo, e diferente das cantadas de pedreiros e homens do tipo bisavô solteiro, ele era alguma coisa de cinema, e eu não consegui deixar de sorrir de volta.
   A semana passou assim, e tomei muitos banhos, mas na outra eu não sei, de repente, me atraso, e não tenho tempo de tomar banho, porque está tarde demais, e o barulho do chuveiro acorda minha mãe que dorme no quarto ao lado.
Mas o pior de tudo, são as mil formigas enormes que surgem no banheiro depois da meia-noite. Se fossem pequenas, seria mais fácil, eu pensaria que "não posso esquecer das cinco ou mais formigas que matei, só na calçada antes da esquina da lanchonete amarela, sou um ser humano muito mau, vou matar estes também". Mas tenho muito nojo de formigas grandes. E se ontem pisei em uma sem querer? Eca.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/05/2011 09:05:00 PM | 0 comentários