E pouco importa se é o seu aniversário.

     Não adianta, eu não vou dormir cedo, quem se importa se a semana quase não teve noite, e nem eu. 
Feliz aniversário, não importa se já são meia noite e doze, eu ainda estou acordada, o outro dia só começa na hora que eu acordar, depois de ter dormido (mal). 
    Tenho muita coisa pra lhe cantar baixo, sei que seus instrumentos estão sempre desafinados, ou com cordas faltando, já me acostumei, faz tempo que conheço você e eles. Pouco importa, você também se acostumou com a minha voz desafinada.
  Me sinto mal por querer estar tão perto de um amigo que vai como que correndo, cada vez que eu não ligo, que não cantamos mais, pra o lugar mais longe que puder, ainda que ele queira voltar. Voltar prum abraço tímido e quente de boa noite, você pra lá, e eu neste outro quarto, amanhã vamos andar de bicicleta e se perder nos passáros em cima daquela árvore, até escurecer mais uma vez. 
     É como agora. Você aí, eu mais longe, está mais difícil voltar às mesmas conversas de antes. Até a hora que eu surto e você se diverte, e sempre acaba dando errado outra vez, quando estamos juntos.
    Ainda são as mesmas músicas, as mesmas mãos, as minhas grandes, as suas pequenas demais, por mais que se tente, é como tentar alcançar aqueles pássaros lá em cima, com as unhas, nunca crescemos, afinal.
    Está tudo lá, como se fosse perigoso voltar ao mesmo lugar, com as mesmas pessoas, porque ainda somos nós. E é perigoso quando se esquece de que as  horas não são as mesmas, nem a platéia. Estão nos olhando tão estranho, melhor você me soltar e parar de me tocar desse jeito, ninguém está entendendo. Voltamos aqui sem querer, e o que melhor faço agora é mandar você ir embora e nunca mais voltar. Não tão cedo.
      Acho que você gosta de mim, e quer me mandar embora também, não que eu queira ficar, não é isso, não tem nem mais espaço para nós, nem em nós mesmos. Nós nem somos mais. Era tão bom, ser. Mas não tem importância, agora te mando embora, encontrará outras para cantar as mesmas músicas, depois de tudo.

    Que espécie de pessoa te manda embora, depois de tudo, tudo?       Junto com você mando embora esta música, espero que goste. Está dentro da caixa, no pacote amarelado e amassado que lhe mandei. Escute, mas não muito, para não gastar esse pedacinho de mim que tive que sacrificar pra te dar, ainda pulsando, está sentindo...?! Bem, sim, ou não, pouco importa: fomos mandados embora.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/11/2011 01:02:00 AM | 6 comentários

Camisola

   Ela era feminista, no extremo. Mesmo. Naquela época não aceitava nem mesmo amizades masculinas. Nem namoros. Preferia as mulheres mesmo, e também achava que era o mais certo, queria fazer jus à sua filosofia da fogueira de sutiãs. Não era homem, mas seu pai achava isso de vez em quando, nos almoços de domingo. Quem liga? Ela achava que nem homem nem mulher ele era, suficientemente. Chato, bigode tolo, óculos de velho cegueta: tão Honório, nunca mudava uma palavra do seu mesmo velho e batido conselho, desconsiderável.
      Ela estava começando um vício, ensaiadamente controlado, para os dias de semana à noite, e qualquer hora do dia no sábado e no domingo, contra a vontade dele. Papai. Honório. Enquanto esperava sua casa chegar ao ônibus em que ela estava sentada, tentando meditar, lia a placa com o número dos Narcóticos Anônimos no painel de cima do motorista, e concluía que ainda não estava nos seus planos, e mudava de pensamento, encarando o próprio reflexo no espelho trêmulo com o movimento daquela máquina gigante, que abrigava bem umas 40 pessoas, bem espremidas, com medo da chuva lá fora. O espelho tremia, deixando o seu reflexo completamente turvo, acompanhando o ritmo das cabeças encostadas nas janelas (cheias de gotas), batendo, quase que freneticamente. 
       Em casa, então, se sentia homem, muito melhor que o seu pai, mal vivido, bem arrependido, de, certamente, tudo aquilo que havia deixado de fazer na melhor idade. Sua Pandora (gostava de chamá-la assim) a esperava em casa, com o gato cinza no colo, duas velas pequenas acesas, vinho, e algumas torradas.          Parecia que Pandora gostava de fazer a casa ter vida quando a sua mulher, que se sentia homem, chegava em casa. Por isso, só depois do seu marido tirar os sapatos, ligava o pequeno som, colocava aquelas músicas chatas, para quem nunca ouviu, e começavam a dançar.
      Se fosse dar um adjetivo para a dança delas, seria "de movimentos místicos, ou aparentemente anacrônicos", com direito a cabelos balançando, naquele ar frio de fim de tarde chuvosa, e caindo sobre a camisola de manga longa (camurça magenta).  As duas dançavam inconscientemente, era incessável. Os peitos balançavam por baixo da camisola enquanto elas dançavam, mas ninguém viu.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/08/2011 04:01:00 PM | 0 comentários