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Se eu escrevesse um livro 
Meu 
Dado, jogado
Vendido 
Atrás dos vidros ou sobre prateleiras


Se os olhos dela passassem do outro lado do vidro
E se ela passasse pelo livro
E ele não passasse por ela
Despercebido


Se ela aceitasse um livro meu 
e lesse
E guardasse
Na bolsa ou perto 

Da cama
Às vezes 
Até mesmo embaixo
Da almofada


Que vontade eu teria
De fazer parte mais um pouco daquele livro
Todas as vezes que o meu nome
Passasse lido
Pelos olhos
De menina
.


(Menina Radiguet et Tão Roberto)

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/28/2012 04:39:00 PM | 4 comentários

Poema da ausência





Estava lá (e quase não estava)
Não havia muito para se ver
(Se já não te via)
Não estava tão feliz
Pouco sorria... Só ria

Alguns minutos se foram

Alguns vieram
Te trouxeram 
Até a porta

Levaram meus ouvidos 
Ao som
Da campainha
E então levantar, abrir
Para você entrar:

Saio da minha ausência
Para sua presença.



(
Menina Radiguet et Tão Roberto)

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/25/2012 06:39:00 PM | 2 comentários

La Lampe

http://www.flickr.com/photos/bastosh/495142735/sizes/m/in/photostream/
Cômodo escuro, poeira passeando no ar que ia e vinha de apenas duas respirações, e em um pouco de brisa escapando e procurando abrigo numa fresta da janela.
Incômodo claro, os dois sentiam que nem um nem outro estava disposto a qualquer gesto mais de cinco por cento humano, se é que era hora para medir isso. Não havia nenhuma razão para medir isso, só estavam simplesmente indispostos. Ouviu-se um "tac" do interruptor do abajur, só que para um deles foi um choque, para o outro não. O silêncio se rompeu, não por eles, mas por causa de um deles. Só se rompeu, e um segundo depois se emendou, com o outro silêncio, que esperava por uma reação qualquer. Pobre silêncio, não houve reação alguma.
A claridade tímida da lâmpada tomou conta de algumas superfícies, mas barulho nenhum aquilo fazia. Ela penetrava em alguns objetos, não alcançava todos os ângulos. Afinal, é assim que se fazem as sombras... Então aconteceu que um ficou iluminado, levemente. O outro na sombra, nada mudou muito: os dois corpos ocupavam o mesmo espaço e não se faziam companhia. Não ardiam. A lâmpada acesa empoeirada estava mais quente que tudo ali. Mais quente que aqueles dois seres de pele, ossos e órgãos mornos, que se estranhavam. Um cômodo, e tudo que havia nele, nunca disse tanto mais do que duas pessoas, como naquele instante. A dor deles de não conhecer nada em si mesmos, nem um no outro era perturbadora. Perturbador como um filme um filme francês mudo -e não por falta de tecnologia- onde o personagem principal seria: a Lâmpada. Perturbador. Perturba-dor.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/19/2012 04:19:00 AM | 3 comentários

Os besouros

Fim da aula de dança. Estava escuro nos meus olhos. Eu quase dormia, pensamentos aleatórios, e inclusive a imagem do login e a senha. A senha, acessando minha conta, o último clique. Estava a um passo de checar minhas mensagens, estava quase lá, quase um alívio, dose pós-abstinência. Heroína.
 Meus pensamentos involuntários não alcançavam mais. Não estava instalado em mim. Tudo se interrompeu, a conta não acessava. Sim, estava tudo dentro da cabeça, e inclusive eu estava quase dormindo, e então, um espasmo. 
Agora aquela  imagem de você formatando o maldito computador... você desistindo. Só queria um abraço na cama, um beijo sem fôlego: você veio, mas primeiro você demorou. A gente sem frio, sem calor, naquela cama nem fria nem quente. Mas gostava de estar ali. 
Gostava de ver você me formatando. Queria ver você me formatando. Ah, a imagem... e você me formatando. E então você some. Não te acho na conta, no login, na senha, nem no frio, nem no calor. As mensagens dizem nada. Falo, não ouço de volta nem o eco. Branco.
Ainda estava deitada no chão, na dúvida se era sono, porque escutava as vozes das outras pessoas conversando no fim da aula, sentadas sobre aquela madeira velha. Sentia dois pés frios, trêmulos, em cima das minhas pernas, me tocando de um jeito nervoso, solitário, esquizofrênico, a aflição daqueles pés em mim, pedindo socorro, e eu usava o sono pra me esconder. Não estou com vontade de entender a agonia dos seus pés agora, vá, saia daqui.
Anestesia, e fomos embora. Sentia tudo anestesiado. Visão média, audição média. Vontade de nada também. Conversa nenhuma e só preguiça. As rodas da carona me arrastaram até a porta de casa. Como heroína, veio a real sensação. Agora sim, a verdadeira sensação: conta, login, senha, mensagens. Por um momento, tudo se repetia - nenhuma resposta, nada. Os ruídos na minha cabeça me faziam querer dormir. Então houve um banquete. Fui devorada inconsciente, metade viva (não estava ali por inteiro, essa é a verdade), por sete besouros famintos.
 Ódio amargo, como besouros famintos, me engoliam... Senti eles,  pousando nos meus dedos, nas pálpebras, na barriga. As patas finas, caminhando lentamente, comendo pequenos pedaços de mim. 
Algum pedaço daquela lembrança me acordou. Meu corpo ainda estava inteiro, mas restavam asas marrons mornas quebradas, dos meus besouros. Acho que agora estão dentro de mim(acho que engoli).

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/09/2012 10:05:00 PM | 0 comentários

Peripécia


        Entra no quarto sem dizer boa noite, sem falar do engarrafamento que pegou para chegar até aqui, mas estou mesmo preocupada se você entrou porque deixei a porta aberta, ou se você é uma parte criativa de mim se sentindo bastante sozinha. Talvez nenhum dos dois (talvez fosse melhor não pensar).
      
    Você tira meu moletom com o mesmo cuidado que tenta colar seu coração em mim, num abraço tão perto, sem saída, como se eu fosse coisa sua. Parece até que sempre fui de você, para te caber tão bem. Num outro espanto, o rádio toca a mesma música que tocava na minha cabeça, desde o início daquela tarde infeliz. Será que agora tocava mais alto dentro da minha cabeça, mas por ilusão parecia estar tocando de verdade?
     
    Ainda não entendi metade das coisas que foram acontecendo, uma, depois a outra, e em seguida foram sendo esquecidas, aquecidas, pela minha tontura e por seus mil braços. 
     
    Te dei boa noite em ruídos, quase adormecida, um beijo quase nulo, mas de seios colados no seu colo. Então você me descola do abraço, e o sereno toca, me inquieta, sensação de nunca mais morar aqui a calma. Me deita na cama, não deita ao meu lado, sai do quarto e deixa o abajur ligado. Será que fechou a porta? 

   Hoje te amo até às dez horas, mas te amaria até as onze se você pudesse ficar mais um pouco. É que não prestei atenção, e por acidente dormi. Ou por acidente, meus sonhos andaram acordados demais esta noite, e o seu abraço me pareceu verdade.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/10/2012 12:33:00 AM | 16 comentários

Japão

          As brisas se juntaram para apostar corrida entre os meus fios de cabelo (enrolados de vez em quando), e o sol juntou as nuvens na sua frente para que um pouco abaixo delas, e um pouco grudado no limite do mar, alguns (ou bem poucos) vissem a explosão laranja que acontecia no horizonte.
  
Um horizonte que em poucos minutos olharia para a luz da noite, para que outro horizonte pudesse ver a cor do dia, que não mais seria tão alaranjada, pois o sol sempre fica amarelo claro quando o dia recomeça.   

Neste momento, esqueci de te dizer -ou preferi guardar pra mim-, meu desejo era saber alcançar, muito rápido, o horizonte que eu não podia ver. Queria correr pro Japão, onde já era futuro, mas onde por pura excentricidade, o Sol nasce cor do amor, do  beijo e do não. E foi nesse momento, que as mãos pareciam dizer amor,  me assustei com o beijo, e se eu pudesse voltar atrás diria "não": a vida é engraçada e gosto assim, quando ela me engana, e de repente, me leva pra tomar sorvete com você.        

 Escurece, a gente de vez em quando, num riso por ali e aqui, se conhece, e se despede, em meio  às luzes dos carros voando sobre o chão, fazendo um céu de cometas em volta do cubo congelado, com nós dois dentro, parados no mesmo segundo, naquele momento. O último beijo, e você tem gosto de sorvete de menta com chocolate, mas com jeito de quem queria morango. Deixa pra lá, o sorvete não vai fugir, só quem foge é o Sol, pro Japão, quando quer mudar de cor: beijo, amor, não.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/05/2012 08:18:00 PM | 4 comentários

Carteira



C
hegar na hora errada em algum lugar parece às vezes mudar 
completamente o rumo dos acontecimentos. 
  Liguei para dizer que estava tudo bem, e estava com saudades, na verdade era uma mistura disso com tédio, e sofrimento antecipado pela espera até o show começar. 
  Choveu de repente, e fui obrigada a entrar naquele ninho de grupos e mais grupos de amigos, que me olhavam como se vissem um flamingo azul. Ter uma carteira de cigarros e algum dinheiro para cerveja pareciam a opção mais sociável para aquela noite solitária, quando a chuva passou e consegui um lugar no terraço para matar a demora.
  Via os corpos e olhos conhecidos lá de cima, entrando como se estivessem ansiosos para estar dentro, e só. "Não é possível haver só um corpo solitário dentro dentro de um lugar assim", martelava, fumando sem intervalos. 
  Alguém não muito alto toca o peitoril metálico-fosco da varanda com ar de "boa noite", e quase respondi sem mesmo ele ter dito. Falou alguma besteira dando risada e me pediu um cigarro, mostrando que ficaria mais tempo do que duraria aquele breve canudo viciante. Ficaria para alguns outros, e para se juntar à minha solidão, fazendo companhia. 
  Falava-se desde benzina até a poesia que há em adulterar (carteiras de identidade), os espaços vazios e silenciosos, eram preciosamente dedicados a observar os desenhos que criávamos com a fumaça, colorida pelas lâmpadas esverdeadas.
  Era curioso o jeito que ele não se dava conta que falava com alguém dez anos mais jovem, e se impressionava com a minha vontade de fumar cada Malboro, sem sentir, sem parar, como se fosse chocolate.
  Duas horas passaram tão rápido, que quando começou a música, suspirei e já estava acordando, ainda na dúvida da existência daquele fantasma, jovem demais pra idade dele, da nossa harmonia, nossa dança tranqüila, e seus dedos brincando nos meus ombros, a ponta dos dedos nos meus cabelos castanhos, agitados.
  Lembrei do seu rosto, que ainda não tinha captado exatamente, e do momento em que fiquei confusa, por não ter certeza se aquilo era verdade, ou delírio. Achando graça ele ria dizendo "Eu sou real", e eu retruquei, convicta:



-Eu, surreal.
  
Eu sabia que nem a primeira palavra daquela noite devia ter sido trocada.  Existem coisas que eu queria esquecer, para não lembrar de fazer outra vez.  Alguém em casa dormia pensando em mim, e eu dormia, procurando ter uma síndrome de isolação dos meus próprios pensamentos.
  Perdi noção da sua idade, e ele não tinha a mínima noção da minha, e por isso tudo fluía, como se a vida fosse fácil, como se tudo durasse o tempo que dura uma noite, um show, uma carteira de cigarros, uma carteira de identidade adulterada.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/08/2012 01:40:00 PM | 8 comentários

Chuveiro

    O dia foi tão nulo. Quando percebia que não estava fazendo nada, caminhava com medo até o corredor, via a pia com uma pilha de pratos para lavar, enganava a fome com copos de suco de caju, que só me mostravam mais a minha preguiça para fazer qualquer coisa. Ouvia a mesma música, me perguntava o que você estava pensando na hora que eu liguei o chuveiro, e quis mudar a temperatura, porque a água estava quente demais. O dia em si virou um grande buraco, você deixou um silêncio por dentro ontem, quando me deu um beijo, rápido demais por sinal, e o ônibus saiu correndo. Perdi o momento, minha cabeça não diz mais nada. Estou nervosa, quero dormir e esquecer dessa sensação de não existir, não conseguir ler, nem pensar, por favor, volte logo. 
   Me imagino quebrando essa pilha de pratos, para ver se assim acordo desse torpor nebuloso que me dá vontade de chorar, como se quisesse cuspir alguma coisa amarrada na língua, que não sei o que é. Ao mesmo tempo que tenho poucas coisas para fazer, elas parecem me sufocar por serem poucas, e por isso eu não faço nenhuma.
   Queria tomar outro banho mas isso só me deixaria sentir mais doente, afinal, os doentes tomam banhos e mais banhos porque não estão bem, e eu não gostaria de pensar que não estou bem. Talvez um banho me tirasse desse poço profundo, talvez me fizesse ligar o chuveiro e ter certeza de que naquele segundo você tinha pensado em mim.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/03/2012 08:53:00 PM | 14 comentários