Meu amor é um rio sereno

Dois corpos magros, bocas -largas- e corações navegantes, nomes irmãos. Toco a palma da sua mão como se fosse dança, me sinto gêmea e me sinto bem ali, dentro do momento, como uma surdez aguda para o mundo em volta e acima de nós. Quando nos olhamos debaixo do lençol, tenho uma sensação de mergulho: dentro d'água não podemos falar ou ouvir. Nos procuramos dentro dos nossos olhos, e nos achamos, dentro das nossas bocas, ainda que digam que a alma é indecifrável e impermeável. Ainda que ela não se alcance. 
É esse nosso jogo, cabalístico e submerso, que me emudece como pedra. Então calo. Em você faço meu canto: te alcanço, descanso. É como casa, cama, banho de lama e beijo quente no pé da orelha fria. Aquela dor pequena e suave, que no fundo acaricia mais que incomoda. Um arrepio morno, de tanto gostar. É que parece que quanto mais apêrto, quanto mais abraço, quanto mais nó e quanto mais laço, mais fora um do outro estamos, porque sabemos que não podemos estar mais dentro do que perto. Então preciso outra forma de chegarmos em nós, um no outro. Precisa vir o caminho mais delicado até os pensamentos, e talvez nós moremos lá. Precisamos de uma maneira ainda mais esfíngica de se tocar, ser e sentir o outro lado. Precisamos nos bagunçar, quebrar, virar pó, para colocar a mistura numa fôrma, e finalmente seremos juntos. Finalmente serenos juntos.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/17/2013 07:34:00 PM | 5 comentários

O pote

        Ouvi "que dia lindo". "Nenhuma nuvem". "Ensolarado". Todos os dias fazem sol. As nuvens são tão melhores. 
     Mesmo que o sol pareça mais bonito porque brilha, que eu pareça pareça feliz porque sorrio. Faz calor, existo menos agora. 
      Todos sérios atravessando a rua, suados, eu vejo as roupas molhadas, colando. O sol de uma hora da tarde faz as pessoas parecerem mal humoradas,  franzindo a testa e as sobrancelhas, andando rápido para a sombra de um edifício, fazendo fileira na sombra do poste.
       Ignoro minhas angústias me concentrando em imaginar os problemas da mulher que está parada perto de mim, encarando a outra senhora, que está lendo uma revista de supermercado com um pote na mão. Acho que era de doce, mas pelo cheiro de asfalto quente, e pelo clima, qualquer coisa seria amarga agora. Peguei o pote repentinamente e joguei contra o ônibus que passava, pela décima vez não era o meu. Foi um gesto tão súbito e involuntário que só conseguia me esforçar pra entender o vidro estilhaçado no ônibus, escorrendo com a calda vermelha, acho que era geléia. Por um momento achei que fosse mesmo pegar o pote da mão da velha e atirar naquele ônibus com toda força. 

Outro reflexo sufocado.

   A tarde é sempre um zunido, uma pausa onde eu olho fixamente para qualquer coisa, deixo que me faça mal por dentro, então durmo quando é suficiente. 
De certa forma é como morrer um pouco a cada dia. Acho que não aguentariam se fosse de uma vez só.
  Começou outra vez. Não entendo como seis horas pode ser tarde.
Acho todo o resto um atraso, mas não seis horas, não.

  Parece que fui pisoteada enquanto dormia. O sol é quase como o de meio-dia, e também como o de uma da tarde, ou o de quatro e meia. 
   Forço sentir um pouco mais de entusiasmo, pra ver outro dia exatamente igual. Ouço  qualquer música mais espirituosa,
mas parece ironia.
Olho um pouco o Sol, quase escaldante. Nenhuma nuvem. Quase sorrio. 

"Que dia lindo para morrer".

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/08/2013 08:33:00 PM | 4 comentários