Odeio você dentro do seu carro

Caía chuva desde as seis da manhã, e eu esperei demais. Três e quinze, coloco o vestido preto, e corro com medo de perder a chuva. Bicicleta vermelha, o mundo parecia mais vibrante. Parecia que as plantas cresciam e brilhavam mais enquanto chovia, ninguém nunca veria aquilo, do jeito que eu vi, parecia uma gravura mentirosa. Só quando a gente tenta escapar da chuva que ela parece cinzenta e assustadora, e eu não estava preocupada com o pântano na forma dos meus sapatos, ou no meu vestido molhado pesando como uma cortina de couro, o que fazia parecer que havia até três sóis brilhando, incansáveis.

   Pedalava sem o menor esforço, acompanhando muitos passarinhos que estavam ali, voando na mesma velocidade que eu ia, rasante sobre as poças, fazendo parecer que um dragão passava sobre a água. Eu queria ficar, mas sabia que tinha saído por outra vontade. Queria ver minha rua preferida, com aquela chuva me abraçando, tudo ia parecer mais seguro.
   Subo a rua empurrando a bicicleta molhada, ralentando, querendo fazer o caminho inacabável, uma rua infinita. A rua acaba. Tão alta, e cheia de curvas, não tenho coragem de descer. Vejo os carteiros dividindo-se entre as veias, outras ruas que bifurcavam-se, me lembrando labirintos. Eu estava correndo em câmera lenta dentro de um labirinto, por vontade própria. Eu me obrigava a ficar lá dentro, o quanto fosse possível. Meu cabelo estava encharcados, as mechas separavam-se, grudavam no meu rosto.
   E você, suas camisetas, óculos e livros, onde estão? Depois de encantada e sorridente pela chuva, gotas macias, rua poética, vem a raiva sem fim. Um dia você vai subir mil ruas para encontrar meu descontentamento, meu amor guardado nas gavetas, escondido nas cartas. Vai me pedir gentilmente para dividir meu surreal com a sua mudança, e eu aceito, e procuro logo por uma pergunta, que faça você me responder porquê fugiu durante anos.
   Eu tenho um orgulho ridículo e invisível, poderia correr para chegar a tempo de ver você correndo de mim. Eu sei que você nunca vai mudar de ideia. Ninguém nunca mudou. E eu estou aqui. Eu ainda tomo chuva. Eu ainda escrevo cartas. E quem sabe você não estava lá o tempo todo, atrás do vidro do seu carro, me assistindo, criança perdida na chuva, enquanto me odiava, seco e amargo.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/30/2011 08:44:00 AM | 0 comentários

Rasga


Olhos manchados, verdes. Magníficos, vulcânicos. Amo: segredo. Destruo quem sente o mesmo por você, e mesmo que eu não quisesse causar tanto, agora quem te ama, me odeia. Odeia, poderia até me matar, e deixaria de comer para ficar chorando.
   Perdoe-me pelos abraços, pelas flores, pelo bilhete, pelas balas de canela, pelos cravos, e pelo pássaro de papel. Foi tudo feito desde o início, já querendo te distrair. Atrair, para mim.
   Menti quando não disse nada, enquanto você questionava o meu coração volúvel e o tempo que ele te faria durar dentro de mim. Horas quase nada, outras horas, sempre, cada segundo. Somos incertos, e competimos a incerteza de cada um, eu e o coração. Só por favor não fique triste se ele te fizer durar pouco, eu nunca tenho a culpa. Sou alheia e ele nunca pede a minha opinião, me rasga e rasga os bons, às vezes os melhores outros corações que se arriscam por aí, atirando-se do viaduto.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/24/2011 05:48:00 PM | 0 comentários

Aquela com o Sobrenome da Janis Joplin





E então é assim? Ela me esqueceu? Ela me esqueceu, "esqueceu", sim, mas pensa, uma ou duas vezes na semana, só por descaso da própria memória, de deixar entrar um lembrança tão boa, que dá vontade de chorar de tanta saudade daquele amor tão frágil que caminhava vacilando, horas com toda a certeza de sem-fim, infinito, final bom. Horas áspero, indiferente, cuspir na sua cara palavras grossas e meus beijos reservados para um ninguém qualquer. Massacre, ainda que sem a intenção de fazer sofrer, como eu fiz.


   Você sempre teve toda a razão, ou eu que tive, e com toda essa razão, estúpida e insensível, rasguei todas as frases sonhadoras e perigosas que você inventava, alguma coisa não me deixava aceitar elas. Era demais para mim, sempre foi. E acredite, de algum jeito, continua sendo. Você ainda está aqui, e eu só percebi agora, o quanto você mora em mim, e faz falta, ainda que eu nunca mais vá ter a maldade de te querer tanto, a ponto de pedir para você voltar. Você e esse seu nome, com o sobrenome da Janis Joplin. Janis Lin Joplin. E de repente, quando eu achava que tinha esquecido de tudo, uma surpresa.


   Pela primeira vez, depois do 29 de maio, o único que eu me lembro, por motivos sublimes, me espantei, mais do que todas as vezes que tive o maior dos espantos, quando vi você dizer pela primeira vez, com o tom que me pareceu tão desconsiderante e normal, que, não sentia tanta falta. Não mais.


   Eu realmente consegui. Consegui entrar na sua vida, fazer dela meu sonho, e virar o seu. Sonhamos juntas, e sorrio, quase até choro um pouco ao dizer isso. Consegui ignorar, entender, gostar e destruir tudo, algumas vezes. Ainda posso destruir mais, mas acho que não conseguiria.


   Ainda há o que se destruir, alguma coisa ainda canta nesse espaço que vai de mim e se afasta cada vez mais de você, ou o contrário.


   Queria ter coragem de perguntar, sem mais nem menos, por onde você anda, aparecer de repente, quem sabe sorrir de um jeito estranho, daquele jeito que eu sorrio quando gosto de acabar com a saudade de te abraçar, encostar minha orelha no seu ombro sem medo, e você me acolher com um olhar para qualquer lugar.


   Alguma coisa não me deixa. Agora que eu te deixei seguir sem mim e de uma certa forma aprendi a seguir sem você. Acho que seria a coisa mais estúpida, ainda mais, se fosse sem a certeza, que de qualquer jeito, eu nunca tenho. Vai que eu me arrependo por um motivo ou por outro, ou por nenhum.


   Me disseram outro dia que eu "desapaixono muito rápido". E sinceramente, fico confusa escrevendo tudo isso, e pensando em você, então não pode ser verdade. Isso vai durar anos, talvez muito mais do que se você ainda estivesse aqui do meu lado. 


   Você me disse uma, centenas de vezes, que eu fui a primeira pessoa por quem você se apaixonou. E eu sempre fiquei em silêncio. Eu não sei, de verdade, ou não sabia, se eu já me apaixonei. Acho que não sei bem como descobrir. Mas pelo que eu sei até agora, talvez eu possa dizer que você foi a única pessoa por quem eu me apaixonei, e foi a primeira, e vai continuar sendo a primeira, vai continuar existindo e me fazendo pensar em arrancar você, de onde quer que você esteja, e fazer tudo ser como antes.


   Fiz um passeio por nosso tempo... acho que estou razoavelmente bem. No fundo, vai ser como se eu pudesse decidir a hora de gostar de você, de acordo com o que me diz a saudade.
   E você, o que me diz?

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/07/2011 11:29:00 PM | 0 comentários