O pote

        Ouvi "que dia lindo". "Nenhuma nuvem". "Ensolarado". Todos os dias fazem sol. As nuvens são tão melhores. 
     Mesmo que o sol pareça mais bonito porque brilha, que eu pareça pareça feliz porque sorrio. Faz calor, existo menos agora. 
      Todos sérios atravessando a rua, suados, eu vejo as roupas molhadas, colando. O sol de uma hora da tarde faz as pessoas parecerem mal humoradas,  franzindo a testa e as sobrancelhas, andando rápido para a sombra de um edifício, fazendo fileira na sombra do poste.
       Ignoro minhas angústias me concentrando em imaginar os problemas da mulher que está parada perto de mim, encarando a outra senhora, que está lendo uma revista de supermercado com um pote na mão. Acho que era de doce, mas pelo cheiro de asfalto quente, e pelo clima, qualquer coisa seria amarga agora. Peguei o pote repentinamente e joguei contra o ônibus que passava, pela décima vez não era o meu. Foi um gesto tão súbito e involuntário que só conseguia me esforçar pra entender o vidro estilhaçado no ônibus, escorrendo com a calda vermelha, acho que era geléia. Por um momento achei que fosse mesmo pegar o pote da mão da velha e atirar naquele ônibus com toda força. 

Outro reflexo sufocado.

   A tarde é sempre um zunido, uma pausa onde eu olho fixamente para qualquer coisa, deixo que me faça mal por dentro, então durmo quando é suficiente. 
De certa forma é como morrer um pouco a cada dia. Acho que não aguentariam se fosse de uma vez só.
  Começou outra vez. Não entendo como seis horas pode ser tarde.
Acho todo o resto um atraso, mas não seis horas, não.

  Parece que fui pisoteada enquanto dormia. O sol é quase como o de meio-dia, e também como o de uma da tarde, ou o de quatro e meia. 
   Forço sentir um pouco mais de entusiasmo, pra ver outro dia exatamente igual. Ouço  qualquer música mais espirituosa,
mas parece ironia.
Olho um pouco o Sol, quase escaldante. Nenhuma nuvem. Quase sorrio. 

"Que dia lindo para morrer".

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/08/2013 08:33:00 PM

4 comentários:

Anônimo disse...

Imagino tudo derretendo, os edifícios, os postes, as pessoas, menos você. Tanto azul assim na abóbada celeste ás vezes enjoa, fico sem vontade de olhar pra cima. Olho ao redor. Meio dia estou sempre atrasada, correndo para chegar onde tenho que chegar, a cidade tentando correr em câmera lenta.

Colibri

Anônimo disse...

cadê mais textos?

Anônimo disse...

Luana, me mande seu e-mail, preciso mandar algo de extrema importância pra você, não fique com receio, por favor, eu realmente preciso fazer isto.

Unknown disse...

O desafio de descobrir a beleza no improvável... inversão estética...despudoradamente SER...e onde houver sol, haverá o desejo da sombra, do conforto que o morno traz...lugar estranho é o tédio, lugar estranho é o desconforto...mas nos é tão familiar? É sempre um sinal do que ainda não é e de uma expectância humana incurável... incuravelmente humana... O que esperamos de fato? Quem nos prometeu alguma coisa? Sempre um prazer te encontrar assim livre e leve, nas letras e nas imagens, tb nas imagens das letras... nas flores no peito e nuvens sobre a cabeça. Belo texto, um convite a ENCONTRAR o cotidiano. Goto do seu realismo.

Danillo Holzmann

Postar um comentário