Eu não gosto de mãos. Talvez esse não seja o melhor jeito de começar a falar do menino das sobrancelhas risonhas...
Agora uso brincos, tão normais quanto as minhas calças justas, e a minha timidez.
Eu não sou tímida. Essa é quase a primeira vez que não tenho coragem para dizer "bom dia" e continuar parada ao seu lado, tentando ignorar o silêncio-irônico-dos-bobos-que-esperavam-falar-mais, mas você congela em sua mania de coçar o braço direito, como se sua mão esquerda estivesse nervosa demais para ficar quieta, enquanto eu faço um mudo toc-toc com a ponta dos sapatos, olhando pro chão, aguardando a cabeça querer olhar pro teto. Depois de algum tempo, acabaríamos dizendo qualquer coisa, qualquer uma, qualquer duas, você sorriria brevemente para mim com suas sobrancelhas antigas, de calouro de faculdade de medicina, burguês, gentil e educado, eu gosto tanto delas.
Não, na verdade por enquanto gosto delas sorrindo, no momento em que rimos juntos de outra coisa, e eu as procuro a tempo de aproveitar seu riso.
Então é cedo demais para querer sorrir? Com licença, vou correr, correr, o desespero está sempre atrás, e eu? Bem, fico sempre por perto desesperando...
Às vezes faço de propósito, tentar fazer notar o que eu estou procurando, e quando acho, me desvio rapidamente de você e volto a escrever, como se nada tivesse acontecido. Você não reage. Ah, então por que não me deixa de uma vez? Não é como esperar pela próxima vez em que você vai visitar meus sonhos, mas está umas duas boas quadras perto disso. Minhas aflições quando dou as costas e você é engolido pelo chão, como quem me engana, divertindo-se com a minha testa de criança muito mau-humorada, sorrisos nervosos e radiantes de an-gús-tia, sim, sim, sim. Esquece isso e mais cinquenta e uma palavras que eu falar na sua frente, é certo, vou falar, contadas, cinquenta e uma bobagens.
Nunca vi seus pés, e seus sapatos não me dizem absolutamente nada do que eu penso que você é, e ninguém veio me contar, afinal, quem sabe? Ninguém sabe melhor do que eu que dentro dos seus sapatos moram pés brancos e antigos, tenho certeza, você não é daqui, nem de hoje, vejo no sorriso que fazem as mais curiosas sobrancelhas que já vi, toda manhã que você me intimida com seus olhos castanhos-assustados, seu gosto por exatas e com seu signo, curiosamente invertido, por suas palavras tímidas e raras, de um leão envergonhado.
Nossas conversas nunca duraram muito mais que quinze segundos, mas sei que em comum temos pelo menos medo de se olhar por muito tempo, e medo de dizer tchau e bom dia.
Poderia listar todas as coisas que você acharia de estranho em mim, e nas minhas palavras. Com exceção de acreditar em signos astrológicos e me emocionar com a palavra "humanas", estou sem a menor vontade de imaginar outros absurdos que cabem à esta lista imbecil. Você gostaria de mim, de qualquer jeito? Não precisa responder, eu tenho medo de respostas sérias e racionais vindo entre os seus dentes frios e sagazes.
Quanto tempo estou perdendo aqui? Nenhum, nenhum, estou só fazendo durar o prematuro faz-de-conta, de um menino comum e uma menina normal, com ideias chatas e beijos jovens. Menino e menina agora é o tipo do casal careta-comum, e talvez o melhor jeito de fazer uma coisa diferente seja partir para o clichê. Os comuns também amam nos dias de semana, sábados, domingos e feriados nacionais.
Estou tão comum, que cada dia mais me sinto tão diferente dos ex-comuns. Meu cabelo cresce junto às horas que penso em escrever, esqueço de pensar, e escrevo de você, so-nhan-do. É tudo tão novo, que eu me esqueço que é de verdade, e tenho medo de que de repente seja um delírio, e então começar a te falar de coisas que nunca saíram das estórias que invento pra mim mesma, nas horas vagas, e muitas vezes, nas ocupadas. Parece que eu vou esquecer um sonho, e que tudo vai sair voando a qualquer momento, e lá se vão sobrancelhas se perdendo pelo mundo, deixando os meus olhos sob minhas sobrancelhas tão sem graça, e decepcionadas, tão diferentes das suas, você nunca perderia o que nem mesmo foi seu, como perderia?
Se fui eu q
u
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e
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...
Bem, acho que isso não importa muito, gosto de você o quanto eu preciso para conseguir morrer quando encontro acidentalmente sua expressão perdida, na mesma direção em que eu procuro não perdê-la. Acabou de acontecer. De novo. Obrigada por perceber como estou parecendo uma louca, te perseguindo discretamente.
De todo jeito, eu não gosto dos meus pés, nem das minhas mãos, prefiro quarenta e cinco vezes passar trinta minutos raros contando à Olivette Lettera 82 das sobrancelhas risonhas.