Meu amor é um rio sereno

Dois corpos magros, bocas -largas- e corações navegantes, nomes irmãos. Toco a palma da sua mão como se fosse dança, me sinto gêmea e me sinto bem ali, dentro do momento, como uma surdez aguda para o mundo em volta e acima de nós. Quando nos olhamos debaixo do lençol, tenho uma sensação de mergulho: dentro d'água não podemos falar ou ouvir. Nos procuramos dentro dos nossos olhos, e nos achamos, dentro das nossas bocas, ainda que digam que a alma é indecifrável e impermeável. Ainda que ela não se alcance. 
É esse nosso jogo, cabalístico e submerso, que me emudece como pedra. Então calo. Em você faço meu canto: te alcanço, descanso. É como casa, cama, banho de lama e beijo quente no pé da orelha fria. Aquela dor pequena e suave, que no fundo acaricia mais que incomoda. Um arrepio morno, de tanto gostar. É que parece que quanto mais apêrto, quanto mais abraço, quanto mais nó e quanto mais laço, mais fora um do outro estamos, porque sabemos que não podemos estar mais dentro do que perto. Então preciso outra forma de chegarmos em nós, um no outro. Precisa vir o caminho mais delicado até os pensamentos, e talvez nós moremos lá. Precisamos de uma maneira ainda mais esfíngica de se tocar, ser e sentir o outro lado. Precisamos nos bagunçar, quebrar, virar pó, para colocar a mistura numa fôrma, e finalmente seremos juntos. Finalmente serenos juntos.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/17/2013 07:34:00 PM | 5 comentários

O pote

        Ouvi "que dia lindo". "Nenhuma nuvem". "Ensolarado". Todos os dias fazem sol. As nuvens são tão melhores. 
     Mesmo que o sol pareça mais bonito porque brilha, que eu pareça pareça feliz porque sorrio. Faz calor, existo menos agora. 
      Todos sérios atravessando a rua, suados, eu vejo as roupas molhadas, colando. O sol de uma hora da tarde faz as pessoas parecerem mal humoradas,  franzindo a testa e as sobrancelhas, andando rápido para a sombra de um edifício, fazendo fileira na sombra do poste.
       Ignoro minhas angústias me concentrando em imaginar os problemas da mulher que está parada perto de mim, encarando a outra senhora, que está lendo uma revista de supermercado com um pote na mão. Acho que era de doce, mas pelo cheiro de asfalto quente, e pelo clima, qualquer coisa seria amarga agora. Peguei o pote repentinamente e joguei contra o ônibus que passava, pela décima vez não era o meu. Foi um gesto tão súbito e involuntário que só conseguia me esforçar pra entender o vidro estilhaçado no ônibus, escorrendo com a calda vermelha, acho que era geléia. Por um momento achei que fosse mesmo pegar o pote da mão da velha e atirar naquele ônibus com toda força. 

Outro reflexo sufocado.

   A tarde é sempre um zunido, uma pausa onde eu olho fixamente para qualquer coisa, deixo que me faça mal por dentro, então durmo quando é suficiente. 
De certa forma é como morrer um pouco a cada dia. Acho que não aguentariam se fosse de uma vez só.
  Começou outra vez. Não entendo como seis horas pode ser tarde.
Acho todo o resto um atraso, mas não seis horas, não.

  Parece que fui pisoteada enquanto dormia. O sol é quase como o de meio-dia, e também como o de uma da tarde, ou o de quatro e meia. 
   Forço sentir um pouco mais de entusiasmo, pra ver outro dia exatamente igual. Ouço  qualquer música mais espirituosa,
mas parece ironia.
Olho um pouco o Sol, quase escaldante. Nenhuma nuvem. Quase sorrio. 

"Que dia lindo para morrer".

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/08/2013 08:33:00 PM | 4 comentários

Autor

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Se eu escrevesse um livro 
Meu 
Dado, jogado
Vendido 
Atrás dos vidros ou sobre prateleiras


Se os olhos dela passassem do outro lado do vidro
E se ela passasse pelo livro
E ele não passasse por ela
Despercebido


Se ela aceitasse um livro meu 
e lesse
E guardasse
Na bolsa ou perto 

Da cama
Às vezes 
Até mesmo embaixo
Da almofada


Que vontade eu teria
De fazer parte mais um pouco daquele livro
Todas as vezes que o meu nome
Passasse lido
Pelos olhos
De menina
.


(Menina Radiguet et Tão Roberto)

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/28/2012 04:39:00 PM | 4 comentários

Poema da ausência





Estava lá (e quase não estava)
Não havia muito para se ver
(Se já não te via)
Não estava tão feliz
Pouco sorria... Só ria

Alguns minutos se foram

Alguns vieram
Te trouxeram 
Até a porta

Levaram meus ouvidos 
Ao som
Da campainha
E então levantar, abrir
Para você entrar:

Saio da minha ausência
Para sua presença.



(
Menina Radiguet et Tão Roberto)

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/25/2012 06:39:00 PM | 2 comentários

La Lampe

http://www.flickr.com/photos/bastosh/495142735/sizes/m/in/photostream/
Cômodo escuro, poeira passeando no ar que ia e vinha de apenas duas respirações, e em um pouco de brisa escapando e procurando abrigo numa fresta da janela.
Incômodo claro, os dois sentiam que nem um nem outro estava disposto a qualquer gesto mais de cinco por cento humano, se é que era hora para medir isso. Não havia nenhuma razão para medir isso, só estavam simplesmente indispostos. Ouviu-se um "tac" do interruptor do abajur, só que para um deles foi um choque, para o outro não. O silêncio se rompeu, não por eles, mas por causa de um deles. Só se rompeu, e um segundo depois se emendou, com o outro silêncio, que esperava por uma reação qualquer. Pobre silêncio, não houve reação alguma.
A claridade tímida da lâmpada tomou conta de algumas superfícies, mas barulho nenhum aquilo fazia. Ela penetrava em alguns objetos, não alcançava todos os ângulos. Afinal, é assim que se fazem as sombras... Então aconteceu que um ficou iluminado, levemente. O outro na sombra, nada mudou muito: os dois corpos ocupavam o mesmo espaço e não se faziam companhia. Não ardiam. A lâmpada acesa empoeirada estava mais quente que tudo ali. Mais quente que aqueles dois seres de pele, ossos e órgãos mornos, que se estranhavam. Um cômodo, e tudo que havia nele, nunca disse tanto mais do que duas pessoas, como naquele instante. A dor deles de não conhecer nada em si mesmos, nem um no outro era perturbadora. Perturbador como um filme um filme francês mudo -e não por falta de tecnologia- onde o personagem principal seria: a Lâmpada. Perturbador. Perturba-dor.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/19/2012 04:19:00 AM | 3 comentários

Os besouros

Fim da aula de dança. Estava escuro nos meus olhos. Eu quase dormia, pensamentos aleatórios, e inclusive a imagem do login e a senha. A senha, acessando minha conta, o último clique. Estava a um passo de checar minhas mensagens, estava quase lá, quase um alívio, dose pós-abstinência. Heroína.
 Meus pensamentos involuntários não alcançavam mais. Não estava instalado em mim. Tudo se interrompeu, a conta não acessava. Sim, estava tudo dentro da cabeça, e inclusive eu estava quase dormindo, e então, um espasmo. 
Agora aquela  imagem de você formatando o maldito computador... você desistindo. Só queria um abraço na cama, um beijo sem fôlego: você veio, mas primeiro você demorou. A gente sem frio, sem calor, naquela cama nem fria nem quente. Mas gostava de estar ali. 
Gostava de ver você me formatando. Queria ver você me formatando. Ah, a imagem... e você me formatando. E então você some. Não te acho na conta, no login, na senha, nem no frio, nem no calor. As mensagens dizem nada. Falo, não ouço de volta nem o eco. Branco.
Ainda estava deitada no chão, na dúvida se era sono, porque escutava as vozes das outras pessoas conversando no fim da aula, sentadas sobre aquela madeira velha. Sentia dois pés frios, trêmulos, em cima das minhas pernas, me tocando de um jeito nervoso, solitário, esquizofrênico, a aflição daqueles pés em mim, pedindo socorro, e eu usava o sono pra me esconder. Não estou com vontade de entender a agonia dos seus pés agora, vá, saia daqui.
Anestesia, e fomos embora. Sentia tudo anestesiado. Visão média, audição média. Vontade de nada também. Conversa nenhuma e só preguiça. As rodas da carona me arrastaram até a porta de casa. Como heroína, veio a real sensação. Agora sim, a verdadeira sensação: conta, login, senha, mensagens. Por um momento, tudo se repetia - nenhuma resposta, nada. Os ruídos na minha cabeça me faziam querer dormir. Então houve um banquete. Fui devorada inconsciente, metade viva (não estava ali por inteiro, essa é a verdade), por sete besouros famintos.
 Ódio amargo, como besouros famintos, me engoliam... Senti eles,  pousando nos meus dedos, nas pálpebras, na barriga. As patas finas, caminhando lentamente, comendo pequenos pedaços de mim. 
Algum pedaço daquela lembrança me acordou. Meu corpo ainda estava inteiro, mas restavam asas marrons mornas quebradas, dos meus besouros. Acho que agora estão dentro de mim(acho que engoli).

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 12/09/2012 10:05:00 PM | 0 comentários

Peripécia


        Entra no quarto sem dizer boa noite, sem falar do engarrafamento que pegou para chegar até aqui, mas estou mesmo preocupada se você entrou porque deixei a porta aberta, ou se você é uma parte criativa de mim se sentindo bastante sozinha. Talvez nenhum dos dois (talvez fosse melhor não pensar).
      
    Você tira meu moletom com o mesmo cuidado que tenta colar seu coração em mim, num abraço tão perto, sem saída, como se eu fosse coisa sua. Parece até que sempre fui de você, para te caber tão bem. Num outro espanto, o rádio toca a mesma música que tocava na minha cabeça, desde o início daquela tarde infeliz. Será que agora tocava mais alto dentro da minha cabeça, mas por ilusão parecia estar tocando de verdade?
     
    Ainda não entendi metade das coisas que foram acontecendo, uma, depois a outra, e em seguida foram sendo esquecidas, aquecidas, pela minha tontura e por seus mil braços. 
     
    Te dei boa noite em ruídos, quase adormecida, um beijo quase nulo, mas de seios colados no seu colo. Então você me descola do abraço, e o sereno toca, me inquieta, sensação de nunca mais morar aqui a calma. Me deita na cama, não deita ao meu lado, sai do quarto e deixa o abajur ligado. Será que fechou a porta? 

   Hoje te amo até às dez horas, mas te amaria até as onze se você pudesse ficar mais um pouco. É que não prestei atenção, e por acidente dormi. Ou por acidente, meus sonhos andaram acordados demais esta noite, e o seu abraço me pareceu verdade.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/10/2012 12:33:00 AM | 16 comentários

Japão

          As brisas se juntaram para apostar corrida entre os meus fios de cabelo (enrolados de vez em quando), e o sol juntou as nuvens na sua frente para que um pouco abaixo delas, e um pouco grudado no limite do mar, alguns (ou bem poucos) vissem a explosão laranja que acontecia no horizonte.
  
Um horizonte que em poucos minutos olharia para a luz da noite, para que outro horizonte pudesse ver a cor do dia, que não mais seria tão alaranjada, pois o sol sempre fica amarelo claro quando o dia recomeça.   

Neste momento, esqueci de te dizer -ou preferi guardar pra mim-, meu desejo era saber alcançar, muito rápido, o horizonte que eu não podia ver. Queria correr pro Japão, onde já era futuro, mas onde por pura excentricidade, o Sol nasce cor do amor, do  beijo e do não. E foi nesse momento, que as mãos pareciam dizer amor,  me assustei com o beijo, e se eu pudesse voltar atrás diria "não": a vida é engraçada e gosto assim, quando ela me engana, e de repente, me leva pra tomar sorvete com você.        

 Escurece, a gente de vez em quando, num riso por ali e aqui, se conhece, e se despede, em meio  às luzes dos carros voando sobre o chão, fazendo um céu de cometas em volta do cubo congelado, com nós dois dentro, parados no mesmo segundo, naquele momento. O último beijo, e você tem gosto de sorvete de menta com chocolate, mas com jeito de quem queria morango. Deixa pra lá, o sorvete não vai fugir, só quem foge é o Sol, pro Japão, quando quer mudar de cor: beijo, amor, não.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/05/2012 08:18:00 PM | 4 comentários

Carteira



C
hegar na hora errada em algum lugar parece às vezes mudar 
completamente o rumo dos acontecimentos. 
  Liguei para dizer que estava tudo bem, e estava com saudades, na verdade era uma mistura disso com tédio, e sofrimento antecipado pela espera até o show começar. 
  Choveu de repente, e fui obrigada a entrar naquele ninho de grupos e mais grupos de amigos, que me olhavam como se vissem um flamingo azul. Ter uma carteira de cigarros e algum dinheiro para cerveja pareciam a opção mais sociável para aquela noite solitária, quando a chuva passou e consegui um lugar no terraço para matar a demora.
  Via os corpos e olhos conhecidos lá de cima, entrando como se estivessem ansiosos para estar dentro, e só. "Não é possível haver só um corpo solitário dentro dentro de um lugar assim", martelava, fumando sem intervalos. 
  Alguém não muito alto toca o peitoril metálico-fosco da varanda com ar de "boa noite", e quase respondi sem mesmo ele ter dito. Falou alguma besteira dando risada e me pediu um cigarro, mostrando que ficaria mais tempo do que duraria aquele breve canudo viciante. Ficaria para alguns outros, e para se juntar à minha solidão, fazendo companhia. 
  Falava-se desde benzina até a poesia que há em adulterar (carteiras de identidade), os espaços vazios e silenciosos, eram preciosamente dedicados a observar os desenhos que criávamos com a fumaça, colorida pelas lâmpadas esverdeadas.
  Era curioso o jeito que ele não se dava conta que falava com alguém dez anos mais jovem, e se impressionava com a minha vontade de fumar cada Malboro, sem sentir, sem parar, como se fosse chocolate.
  Duas horas passaram tão rápido, que quando começou a música, suspirei e já estava acordando, ainda na dúvida da existência daquele fantasma, jovem demais pra idade dele, da nossa harmonia, nossa dança tranqüila, e seus dedos brincando nos meus ombros, a ponta dos dedos nos meus cabelos castanhos, agitados.
  Lembrei do seu rosto, que ainda não tinha captado exatamente, e do momento em que fiquei confusa, por não ter certeza se aquilo era verdade, ou delírio. Achando graça ele ria dizendo "Eu sou real", e eu retruquei, convicta:



-Eu, surreal.
  
Eu sabia que nem a primeira palavra daquela noite devia ter sido trocada.  Existem coisas que eu queria esquecer, para não lembrar de fazer outra vez.  Alguém em casa dormia pensando em mim, e eu dormia, procurando ter uma síndrome de isolação dos meus próprios pensamentos.
  Perdi noção da sua idade, e ele não tinha a mínima noção da minha, e por isso tudo fluía, como se a vida fosse fácil, como se tudo durasse o tempo que dura uma noite, um show, uma carteira de cigarros, uma carteira de identidade adulterada.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/08/2012 01:40:00 PM | 8 comentários

Chuveiro

    O dia foi tão nulo. Quando percebia que não estava fazendo nada, caminhava com medo até o corredor, via a pia com uma pilha de pratos para lavar, enganava a fome com copos de suco de caju, que só me mostravam mais a minha preguiça para fazer qualquer coisa. Ouvia a mesma música, me perguntava o que você estava pensando na hora que eu liguei o chuveiro, e quis mudar a temperatura, porque a água estava quente demais. O dia em si virou um grande buraco, você deixou um silêncio por dentro ontem, quando me deu um beijo, rápido demais por sinal, e o ônibus saiu correndo. Perdi o momento, minha cabeça não diz mais nada. Estou nervosa, quero dormir e esquecer dessa sensação de não existir, não conseguir ler, nem pensar, por favor, volte logo. 
   Me imagino quebrando essa pilha de pratos, para ver se assim acordo desse torpor nebuloso que me dá vontade de chorar, como se quisesse cuspir alguma coisa amarrada na língua, que não sei o que é. Ao mesmo tempo que tenho poucas coisas para fazer, elas parecem me sufocar por serem poucas, e por isso eu não faço nenhuma.
   Queria tomar outro banho mas isso só me deixaria sentir mais doente, afinal, os doentes tomam banhos e mais banhos porque não estão bem, e eu não gostaria de pensar que não estou bem. Talvez um banho me tirasse desse poço profundo, talvez me fizesse ligar o chuveiro e ter certeza de que naquele segundo você tinha pensado em mim.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/03/2012 08:53:00 PM | 14 comentários

E pouco importa se é o seu aniversário.

     Não adianta, eu não vou dormir cedo, quem se importa se a semana quase não teve noite, e nem eu. 
Feliz aniversário, não importa se já são meia noite e doze, eu ainda estou acordada, o outro dia só começa na hora que eu acordar, depois de ter dormido (mal). 
    Tenho muita coisa pra lhe cantar baixo, sei que seus instrumentos estão sempre desafinados, ou com cordas faltando, já me acostumei, faz tempo que conheço você e eles. Pouco importa, você também se acostumou com a minha voz desafinada.
  Me sinto mal por querer estar tão perto de um amigo que vai como que correndo, cada vez que eu não ligo, que não cantamos mais, pra o lugar mais longe que puder, ainda que ele queira voltar. Voltar prum abraço tímido e quente de boa noite, você pra lá, e eu neste outro quarto, amanhã vamos andar de bicicleta e se perder nos passáros em cima daquela árvore, até escurecer mais uma vez. 
     É como agora. Você aí, eu mais longe, está mais difícil voltar às mesmas conversas de antes. Até a hora que eu surto e você se diverte, e sempre acaba dando errado outra vez, quando estamos juntos.
    Ainda são as mesmas músicas, as mesmas mãos, as minhas grandes, as suas pequenas demais, por mais que se tente, é como tentar alcançar aqueles pássaros lá em cima, com as unhas, nunca crescemos, afinal.
    Está tudo lá, como se fosse perigoso voltar ao mesmo lugar, com as mesmas pessoas, porque ainda somos nós. E é perigoso quando se esquece de que as  horas não são as mesmas, nem a platéia. Estão nos olhando tão estranho, melhor você me soltar e parar de me tocar desse jeito, ninguém está entendendo. Voltamos aqui sem querer, e o que melhor faço agora é mandar você ir embora e nunca mais voltar. Não tão cedo.
      Acho que você gosta de mim, e quer me mandar embora também, não que eu queira ficar, não é isso, não tem nem mais espaço para nós, nem em nós mesmos. Nós nem somos mais. Era tão bom, ser. Mas não tem importância, agora te mando embora, encontrará outras para cantar as mesmas músicas, depois de tudo.

    Que espécie de pessoa te manda embora, depois de tudo, tudo?       Junto com você mando embora esta música, espero que goste. Está dentro da caixa, no pacote amarelado e amassado que lhe mandei. Escute, mas não muito, para não gastar esse pedacinho de mim que tive que sacrificar pra te dar, ainda pulsando, está sentindo...?! Bem, sim, ou não, pouco importa: fomos mandados embora.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/11/2011 01:02:00 AM | 6 comentários

Camisola

   Ela era feminista, no extremo. Mesmo. Naquela época não aceitava nem mesmo amizades masculinas. Nem namoros. Preferia as mulheres mesmo, e também achava que era o mais certo, queria fazer jus à sua filosofia da fogueira de sutiãs. Não era homem, mas seu pai achava isso de vez em quando, nos almoços de domingo. Quem liga? Ela achava que nem homem nem mulher ele era, suficientemente. Chato, bigode tolo, óculos de velho cegueta: tão Honório, nunca mudava uma palavra do seu mesmo velho e batido conselho, desconsiderável.
      Ela estava começando um vício, ensaiadamente controlado, para os dias de semana à noite, e qualquer hora do dia no sábado e no domingo, contra a vontade dele. Papai. Honório. Enquanto esperava sua casa chegar ao ônibus em que ela estava sentada, tentando meditar, lia a placa com o número dos Narcóticos Anônimos no painel de cima do motorista, e concluía que ainda não estava nos seus planos, e mudava de pensamento, encarando o próprio reflexo no espelho trêmulo com o movimento daquela máquina gigante, que abrigava bem umas 40 pessoas, bem espremidas, com medo da chuva lá fora. O espelho tremia, deixando o seu reflexo completamente turvo, acompanhando o ritmo das cabeças encostadas nas janelas (cheias de gotas), batendo, quase que freneticamente. 
       Em casa, então, se sentia homem, muito melhor que o seu pai, mal vivido, bem arrependido, de, certamente, tudo aquilo que havia deixado de fazer na melhor idade. Sua Pandora (gostava de chamá-la assim) a esperava em casa, com o gato cinza no colo, duas velas pequenas acesas, vinho, e algumas torradas.          Parecia que Pandora gostava de fazer a casa ter vida quando a sua mulher, que se sentia homem, chegava em casa. Por isso, só depois do seu marido tirar os sapatos, ligava o pequeno som, colocava aquelas músicas chatas, para quem nunca ouviu, e começavam a dançar.
      Se fosse dar um adjetivo para a dança delas, seria "de movimentos místicos, ou aparentemente anacrônicos", com direito a cabelos balançando, naquele ar frio de fim de tarde chuvosa, e caindo sobre a camisola de manga longa (camurça magenta).  As duas dançavam inconscientemente, era incessável. Os peitos balançavam por baixo da camisola enquanto elas dançavam, mas ninguém viu.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/08/2011 04:01:00 PM | 0 comentários

Língua

  Acordei rindo rindo no meio da noite, então percebi que estava rindo de qualquer coisa que estava dentro de um sonho, esqueci rapidamente, e... voltei ao sono - é o que se deve sempre fazer. Quando o sonho recomeçou, vi uma menina de cabelos, cinza, que tinha nojo de fogo, começava a chorar, ficava extremamente alérgica, se é que isso existe. Ela vivia muito só, e quando chegava o fim de semana, almoçava com as tias, que eram muitas, o que a deixava alérgica também, cheia de brotoejas, e suando frio. Camiseta molhada de tanto enxugar as mãos, que suavam e coçavam. Era o seu grande alívio voltar ao seu quarto nunca limpo, com o topo das estantes empoeiradas, gostava de não ter atenção de ninguém. Era prático: papai fuma e dorme no quarto de cima, ficar embaixo era como morar sozinha no mundo. Eram poucas casas na rua, para sua boa sorte, haviam muitos vizinhos solitários também, que não davam bom dia, porque não saíam de casa. 
     Ela gostava de não encontrar ninguém, e se escondia para que não encontrar de jeito nenhum.
     Passava o dia inteiro, dias em casa, dias no bosque úmido, com seus pés brancos descalços, na terra molhada com folhas secas. Tocava e guardava insetos verdes, marrons, e outros diferentes dos que ela viu ontem. Às vezes ia ao lago, e comia peixes bem pequenos, que faziam cócegas, escorregando na sua língua, foi a única vez que a vi sorrir. Acho que como eu, ela devia pensar porquê eu ria tanto enquanto dormia.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/27/2011 09:46:00 PM | 0 comentários

Maria Joana

    Era noite, eu não estava mais com fome, encontrei os copos de plástico, que foram comprados para não haver cacos de vidro quebrado na festa. Os amigos foram se multiplicando, chegavam e quase não comprimentavam, para não atrapalhar o andamento da noite, que ia e vinha, entre bancos, meio-fios, e sapatos fechados, se afogando na lama, e na poeira do asfalto, com as cinzas de tudo que ascendia, e queimava. Pensei como não percebia do que estava rindo, e não eram das coisas engraçadas que estávamos falando sem querer, era de nada, mas brincavam de falar bem de uma Maria Joana, eu achava graça.
    Não dormi, e acordei às cinco, na dúvida de que horas realmente eram, no ônibus vazio, e cheio de pessoas indo trabalhar domingo de manhã. Estava frio, e os postes faziam seu barulho de fios pensando, enquanto cospiam a energia que ligava as televisões dos ex-gordos aluscinados, fumantes, desempregados, que acordavam cedo, domingo de manhã, e isso tudo para simplesmente não fazer nada. Eu nunca tinha observado que os postes faziam este barulho.
     Dormi quase o dia inteiro, com alguns intervalos desesperados, onde já não sabia se era ontem, amanhã de manhã, ou semana que vem, ou se já tinha acordado de verdade. 
     Acordei, fiquei dez minutos de olhos fechados enquanto ia esquecendo meus sonhos, o que me irritava muito. Estavam na ponta da língua há alguns segundos, e já esqueci quase tudo. Parecia que o instante tinha durado dois segundos, e só. E demorei de entender que na verdade estive dormindo dez minutos daquele relógio, e achei estar apenas meditando. Minha testa estava suada, e minhas mãos estavam secas, é estranho o jeito que a gente acorda.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/17/2011 11:31:00 PM | 2 comentários

Aveia

Ele dizia que tinha insônia, deixava mensagens às três da manhã, ela não estudava, usava anel de flor, e ficavam felizes assim.
Ele não entendia porquê ela chorava e ria de nervoso no início de cada mês, era sua primeira namorada. Parecia um menino quando via o quanto ela sabia de tudo que existia do lado de fora do livro de física 3, e do que cairia na prova de sábado. E parecia seu pai, com seus 1,78, dizendo a ela que tivesse "juízo, você vai acabar me deixando maluco com essas histórias de experimentar coisas novas".
   Ela ouvia música demais, ele passava os dias implorando para ela cantar um pouquinho mais alto, ele estava gostando. Ele não comia frutas e era metrosseuxual, ela voltou a usar brincos, continuou comendo pão integral e tomando chá. Brigavam pelo desinteresse dele na aula de artes, na vontade dela de fazer coisas erradas.
    Ele era consumista, capitalista, burguês, andava de taxi. Pegou ônibus com ela 7 vezes, só no mês passado. Assistiram filmes, no sofá, no tapete, a casa dela parecia outro planeta, ele preferia almoçar fora, mas tudo bem. Ele viu ela abraçar o amigo e quis brigar, ela chorou e ele pediu desculpas.
   O sobrenome dele era aveia em italiano, então ela preferia não falar para não ficar com fome. Ela escrevia os dias da semana em francês, para não esquecer, ele não lembrava em que dia estavam, e perguntava pra ela, mas ela não falava francês porque tinha vergonha. Segunda, terça e quarta-feira ela ficou de mau-humor, ele deu um beijo na testa, e quinta-feira chegou. Está tudo bem...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/06/2011 04:22:00 PM | 1 comentários

Trigo

Pareciam duas crianças, tão cuidadosas e tão sutis, deitadas no algodão tranquilo sem suas camisetas. Ele sorria e lhe fazia tranças no cabelo cor do assoalho loiro escuro, que escorregavam nas suas costas lisas e brancas, e ela se arrepiava sem querer, e sem se importar. Estava frio, quando estavam na sombra, era o suficiente para cada toque macio nas suas orelhas parecerem vento sobre um campo de trigo. Às vezes rolavam na cama, tentavam aproveitar o fino feixe de sol que aquecia suas bochechas, sem fazer calor. Seus olhos tinham cor de madeira e azeite de oliva, mas poderiam dizer que eram quase pretos quando não estavam na luz. 
Ele tinha os dedos dos pés longos, e quando passeavam nas pernas dela eram como pincéis secos numa tela em branco, faziam "shhhhh...". Ela tocava delicadamente o canto da sua boca com dois dedos, leves, quase não se sentia que ela estava realmente o tocando. Encostava o nariz embaixo do olho direito dele, olhando suas pálpebras sem rugas, como uma bolha de sabão. 
Ela tinha colinas no encontro da cintura com as pernas, ele as mapeava, gentil e em silêncio. 
Do lado de fora, três e cinquenta, perto da praia e do asfalto, fazia quarenta graus, e havia sensação de pedras, poeira, chão quente e estrada. Como podia fazer tempo bom na cama? 
Enquanto isso, pensavam em qual seria o próximo gesto, o próximo sopro. Ela pensou em beijar o seu umbigo, ele também, e então, dizer que seria bom dormir, pois era o melhor a fazer numa hora tão vazia. De repente sorriram devagar, misturando os olhos marrons com oliva, e os cílios cederam. 
Quebraram o momento, adormeceram. Saíram dali, para sonhar com um beijo cru.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/04/2011 01:02:00 AM | 0 comentários

Falésia

   Está tudo uma bagunça, estou repetindo as mesmas aflições, porque tudo é igual. Cada dia que acaba me sinto mais aleatória, não consigo escrever, nem pronunciar direito, parece mais fácil copiar o que eu já tinha escrito antes, e a preguiça me carrega, porque ando tão mole, que ela está sempre um pouquinho menos cansada que eu. Prefiro de todo jeito, dizer que estou confusa, e que não consigo fazer mais nada, porque é tão pior ficar confusa, não conseguindo, e ainda calada, que me dá tédio, e vontade de contar para algum cachorro que passe reto por mim na calçada. Eu devia ser como ele, quando vejo você preguiçosa me seguindo, esperando que eu te carregue, esperando que eu te dê meus sonhos para você copiar, passar ao limpo, ainda que o faça extremamente mal feito, devo lhe dizer.
   Seu cabelo se parece com o que eu deixei crescer, seus brincos estão sempre iguais aos meus, suas músicas parece que saem da minha boca e você suga pelos ouvidos, e diz que são suas. Sua poesia é uma prima invejosa dos meus sofrimentos, de tudo que cai na minha vida. Parece até que nos acontecem as mesmas coisas.
   Te imagino em sua casa, aflita, não estuda, não finge, só grita. Chora. Procura roupas pela casa que te lembrem algo peculiar que usei. Se eu pudesse te tirar disso...
   Você gosta tanto de mim, que tenho raiva, mas não consigo te empurrar, e depois sair sem dar nem adeus, te olhando cair das minhas falésias tristes, porque não gosto que se arrastem atrás de mim, esperando eu jogar um pouco do meu ar no chão, para respirarem meu nome, em decadência...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/17/2011 04:51:00 PM | 8 comentários

Matei formigas ontem?

   Vi duas gêmeas na rua, uma estava com a cara mais enrugada que a outra, e a segunda tinha mexas cor-de-rosa, mas as duas tinham combinado de deixar o cabelo loiro pintado, e os olhos verdes de verdade, do jeito que tinham nascido. 
   Comprei dois pirulitos da minha marca favorita, cada um vinte e cinco centavos, e a vendedora falava com uma moça que tinha acabado de sair da casa da patroa pra pegar um ônibus, e acabara de perdê-lo, sem saber, porque as duas conversavam sobre uma menina, que queria ter uma menina, e não queria saber se aquilo ia atrapalhar a vida dela. Mas, só uma das moças a conhecia, e se a grávida abortaria ou não, a segunda não se importaria na hora que estivesse fazendo o nescau de Beto e Fernandinha, na hora do lanche, quando a patroa ligasse dizendo que já já ia pegar eles pra levar pra natação. Lambuzei meus dedos com o pirulito que devia estar naquele sol há meses. A embalagem estava difícil de sair, vários pedacinhos dela grudavam enquanto eu tentava me livrar deles, e meu cabelo achou que aquela era uma boa hora para se espalhar na frente dos meus olhos, bem desgrenhado. Não podia tocar no meu cabelo com aquelas mãos grudentas, meladas de pirulito gosmento de maçã verde. 
   Resolvi tudo o que tinha para fazer no centro da cidade, e no ponto de ônibus perguntei ao vendedor de pipoca, depois de pedir salgada em cima e doce embaixo, sem manteiga, e ainda assim receber o contrário e com muita manteiga, qual ônibus ia pra o lado que eu queria. O pipoqueiro me fez andar um bocado até um prédio lá doutro lado, e ainda peguei o ônibus errado. Entrei, e quando vi que o motorista estava fazendo a volta no lugar errado, me levantei num estalo e puxei a cordinha, resolvi que ia andando para casa, enquanto pensava no que o pai de uma amiga minha sempre falava, que "de graça até ônibus errado". Discordei, achei a maior idiotice de todos os tempos, ainda mas que havia me custado dois e cinquenta.
   Na quinta-feira peguei outro ônibus errado, com Ricardo, o que era de se esperar, parecemos dois meninos de doze anos quando nos juntamos para fazer sei lá o que, e acabamos deixando de fazer pra ficar rindo de tudo que não tem graça, e de nada também. Saltamos do ônibus e o semáforo estava no vermelho, refletimos rapidamente pela falta de costume das pessoas de dar carona aos outros. Fomos na janela de um carro, com um homem negro no banco do carona e uma loira rica dirigindo, um carro era simples, cheio de tralhas e uma cadeira de bêbê, sem bêbê. Perguntamos se eles estavam indo para a mesma direção que a nossa, e pedimos carona. Ficamos o caminho inteiro rindo internamente e baixo da conversa dos dois, dos objetos inusitados dentro do carro, e pensando o que eles eram um do outro, parecia qualquer sonho sem nexo. Mesmo assim, foi uma boa carona, chegamos. 
   Seis e meia da noite, atravessei a rua correndo, antes dos trezentos carros que vinham depois de mim, e vi o meu mendigo preferido, mais bonito do que nunca, com seus cabelos cacheados, saltitante, como sempre. Me mandou um beijo, e diferente das cantadas de pedreiros e homens do tipo bisavô solteiro, ele era alguma coisa de cinema, e eu não consegui deixar de sorrir de volta.
   A semana passou assim, e tomei muitos banhos, mas na outra eu não sei, de repente, me atraso, e não tenho tempo de tomar banho, porque está tarde demais, e o barulho do chuveiro acorda minha mãe que dorme no quarto ao lado.
Mas o pior de tudo, são as mil formigas enormes que surgem no banheiro depois da meia-noite. Se fossem pequenas, seria mais fácil, eu pensaria que "não posso esquecer das cinco ou mais formigas que matei, só na calçada antes da esquina da lanchonete amarela, sou um ser humano muito mau, vou matar estes também". Mas tenho muito nojo de formigas grandes. E se ontem pisei em uma sem querer? Eca.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/05/2011 09:05:00 PM | 0 comentários

Louça

Meu bem, não te chamo de "meu" de novo, porque não posso, você é seu, só seu. Não posso te chamar assim, porque quando chamo sempre dá problema, e acabo te colocando entre os muitos "meus", e veja que me preocupo com isso aqui de gente!
Fica bem, e com certeza melhor do que na minha mão, porque quando é meu, descuido e cai no chão, já era. Não tenho culpa se são todos de louça, e gostam de mim, porque não consigo deixá-los na sargeta da vida, sem sorriso e sem um pouco das minhas palavras. Mas o que adianta? Pego, cuido, escorrega, cai e quebra, pronto. É melhor não curar todo esse abando, e deixar que eles trinquem de tanto silêncio e solidão. É, da próxima vez nem toco .

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/24/2011 12:27:00 PM | 3 comentários

Fome escarlate

Corre-corre, de coração em coração, olha, cheira, aperta, mordisca: aprecia e cospe. Arranha cada um, tira a pele, queima, derrete e sangra. Morde e enche a boca, deixando pingar as gotas sutis de amor escarlate, enquanto ainda há vontade nos beijos jovens e nos olhos fechados.
Declara o maior amor que consegue arrancar de dentro de si, convence, e rouba o que deseja que seja seu, só seu, para o resto da vida. Ainda que não queira mais, e deixe de lado, cada pedaço morto de um amor desperdiçado.
Sente mais fome, percorre e rasteja, pega depressa, antes que alguém veja. Abre, rasga, mais uma vez, porque realmente sente prazer em despedaçar cada coração como se fosse o último. Faz assim, mas não faz por mal, nunca quis por maldade. Com os dentes bondosos, ainda que manchados com a cor de tristeza, chora baixo, tenta explicar sua fome, incessável, mas não encontra vítima que entenda, gostaria de pedir desculpas, não gosta de comer com pressa, e mastigar com tanta força, porque machuca.
Um mal grave, bonito de início, mas tão fatal nos fins que tem... São coisas da idade, esperava que fossem. Crescia, e ria, ardendo de hora solidão, hora companhia, daqueles amores, amores, e amores, que devorava sem querer, por uma voracidade -involuntária- que crescia nas entranhas.
Mas é tão bonito... Por que machuca? A idade é grave, gravíssima, sem cura, sem preguiça, há sempre mais curiosidade de provar uma fruta mais vermelha, e tão viçosa quanto a cor picante das veias, que quase não suportam a rapidez do sangue que corre, em fuga, mas também a procura.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/19/2011 08:55:00 PM | 6 comentários

Dor(me)-de-cabeça-vazia...

Minhas ideias estão doendo. Três horas para ler e pensar é muito, não preciso do dobro, nem da metade. E para quê tenho o triplo e meio a mais do que preciso, eu não sei. Por isso que estas tantas horas de tortura, deixo passar sem atenção, prefiro ficar não pensando, em outras cem coisas que estão querendo passear pela cabeça, sem fazer barulho, e sem dar trabalho, e isto ainda não me faz tão preguiçosa.
   Medito sobre tudo que é desimportante para os grandes pensantes, que me beliscam, até o último pedacinho de mente que restava sem os germes das palavras difíceis. Os germes que cheiram a tudo que eu não quero saber, mesmo se for muito necessário.
   Eu vou ranger meus dentes, bem forte, bem alto, até doer. Eu vou passar duas horas pensando na quantidade de perdas-de-tempo que eu preciso infincar na minha cabeça. E se eu tiver tanta coragem quanto raiva, vou martelar cada palavra, furar minhas ideias puras, contaminá-las, serei um indivíduo de outras ideias, velhas, afogadas e sujas de limo, ideias de desconhecidos, que me torturam.
   Me desespero tanto! Penhasco, onde se esconde? Onde, onde? 
Dizem que no triângulo das bermudas tudo parece mais tranquilo: some chão, some eu, mundo some, some tu-do. Sinto muito, muito, ter que comer a cabeça do mundo e cuspir o que eu não gosto de saber. Eu não gosto. 
   Não... Queria rir, mas hoje não vai ser, perdi muito tempo reclamando, que queria parar de reclamar, e no fim, não ri. Já passou da meia-noite, e se eu quiser rir, não pode mais ser hoje, que acabou de virar ontem, assim: "há duas horas foi ontem". Tão fácil, tão rapidinho. Se por acaso me convir dar uma risada, terá de ser no hoje-hoje, o segundo.
   Hoje, que vai ser amanhã depois que eu acordar, da curta noite de duas horas de sono, a chuva vai fazer músicas dissonantes estranhas, enquanto eu estiver pensando no que dizer, depois que abraçar a minha menina. Ou pelo menos eu espero que a chuva cante, e que eu veja a menina.
   Ela vai segurar a chave pendurada no meu pescoço, como se fosse dela, vai abrir meu cérebro como se fosse um coração metafórico, e vai abraçar meus pensamentos doentes e cansados, como se eles fossem eu mesma. Eu não acho nada disso completamente fora do normal. Só vejo poesia demais, para a minha pouca menina. E menina demais, para as minhas poucas ideias: umas assim, e as utras viradas ao contrário. As ideias de medo do mundo, e as de amor peculiar, acompanhado por chuva. 
Menina: destranque, abra, carregue e cure. Eu estou doente de ideias hoje, depois que acordei do sono pouco e duro. Os dias andam tristes. Torne mais fácil, feche meus olhos, tranque as portas de mim. Me faça dormir mais.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/13/2011 02:30:00 AM | 4 comentários

Senhorita Microfonia

   Eu me arrependo cada segundo de ter aceitado cantar aquela música. As coisas sempre saem da pior maneira quando você está do lado de fora do quarto, sem tapete, sem travesseiro para rir, quando você cospe notas absurdas. Seria pior se rissem, mas o silêncio que eu via na cara das pessoas que nem pensavam na minha aflição era o pior. Acho que não davam a mínima, para a menina tola que não fazia diferença na noite de terça-feira delas. 
   Parecia um pesadelo, dos mais agoniantes, quando você faz coisas que estragariam sua vida de uma vez, e você certamente não teria coragem de fazer se fosse de verdade. Não aguentava não me ouvir, piorava quando ouvia, porque eu não conseguia fazer certo, eu não conseguia fazer certo.
   Os tímidos então, são um bando de criaturas enjoadas e orgulhosas? Era tudo de verdade, e eu até pensei que ia rir dessas coisas depois de um tempo, mas tenho certeza que não vou. Faço caras de sofrimento, e dou gritinhos estéricos e repentinos quando me lembro. É muito fácil falar quando eu não estou mais lá. Na verdade, continua difícil, mas eu continuo cantando todos os dias, pra o canto da parede e para o armário, que guarda minhas notas graves e estranhas com muito cuidado.
   Eu tenho medo de microfones, que microfoniam quando eu os viro ao contrário, quando sinto muito mais vontade de entortar meu pescoço e quebrar meus ossos, mas não posso.
   Acordei assustada, lembrando a Microfonia me gritando "SAIA, ESTÚPIDA". Eu deveria ter corrido, antes mesmo de começar. Teria menos vergonha de ter tido vergonha, do que a vergonha que está pinicando nas minhas costelas, por ter criado uma coragem feia e deselegante, uma coragem ainda um pouco tímida. Não era a hora.

   Venha só você aqui do meu lado, dividir comigo meu tapete, meu pequeno sonho, de cantar sozinha pra mim mesma, e cantar só um pouquinho pra você, para manter o cuidado que tomaram minhas paredes e meu armário, de guardar bem guardado, meu sorriso desafinado, não tenho tanta vergonha assim de você.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/27/2011 07:22:00 PM | 3 comentários

Sete anos, sete dias

 O silêncio era quase como um sonho durante os sete dias em que ela esteve lá. As perguntas eram mais frequentes que o tanto de vezes que ela conseguia respirar entre as palavras. Bastava ouvir rastros da sua voz chegando pelas escadas, que certamente, a paz de todos dentro de casa, mais a do resto da vizinhança, e da vizinhança vizinha, saía pela porta dos fundos. Correndo. 
 Ela abria a porta como quem derruba a entrada do terreno inimigo, então ouvia-se um coro de suspiros daqueles que eram escravos de sua voz, tão aguda, irritante e autoritária. Sete anos. Sete anos haviam sido o suficiente para que aquele monstro, abominável, se tornasse tão abominável, para qualquer um, e nem um pouco para ele mesmo.
 Morangos à mesa: dois terços, incluindo os maiores e mais vermelhos, iam sem muita cerimônia, se atirar como pedras na boca com menos dentes que a quantidade de morangos, aquela boca que ela fazia questão de manter aberta, ao mesmo tempo que entrava comida e saiam palavras.
 Suas mãos, sempre mais sujas que os pés, com manchas das frutas vermelhas que ela tinha roubado do pacote que alguém acabara de trazer do mercado, unhas curtas, redondas, roídas, sujas e com restos de esmaltes toscos. Com as mesmas mãos, ela pegava nas outras pessoas, nos cabelos, no que comia, sempre deixando sua marca de pequeno animal selvagem, morrendo de fome e querendo sempre mais alguma coisa, de preferência a que está no prato ao lado. E ela conseguia. Com ou sem "sim", que ela sempre ousava arrancar dos outros com um "por favor", e uma cara de cínica e coitada que me dava nojo, nos seus monólogos onde ela perguntava, e, gentilmente, tomava a liberdade de responder o que lhe parecia melhor.
E como me dava nojo, no final do dia, ter que falar seu nome pela septuagésima vez, provavelmente por alguma das mil besteiras que ela conseguia fazer, de cinco em menos cinco minutos. Criança estúpida. Carregava os pratos e mais tudo que fosse frágil, como se estivesse dando o seu máximo para que tudo escorregasse e caísse no chão com muita vontade.
Seus cabelos, imensos, loiros, castanhos e claros, pareciam mais novelos de fios misturados, embaraçados, que formavam cinco ou seis pontas, num cabelo que supostamente seria liso. Entre tudo que odiei nela, estão os desenhos, que ela pensava serem os melhores, exceto pelos meninos, que ela dizia não desenhar tão bem. Para mim, os meninos, as meninas, árvores, peixes, EU, ela desenhava o pior imaginável. Terrível. E veja que foram só sete dias. Terríveis.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/26/2011 04:59:00 PM | 1 comentários

Sobrancelhas século XIX



Eu não gosto de mãos. Talvez esse não seja o melhor jeito de começar a falar do menino das sobrancelhas risonhas...

Agora uso brincos, tão normais quanto as minhas calças justas, e a minha timidez.
Eu não sou tímida. Essa é quase a primeira vez que não tenho coragem para dizer "bom dia" e continuar parada ao seu lado, tentando ignorar o silêncio-irônico-dos-bobos-que-esperavam-falar-mais, mas você congela em sua mania de coçar o braço direito, como se sua mão esquerda estivesse nervosa demais para ficar quieta, enquanto eu faço um mudo toc-toc com a ponta dos sapatos, olhando pro chão, aguardando a cabeça querer olhar pro teto. Depois de algum tempo, acabaríamos dizendo qualquer coisa, qualquer uma, qualquer duas, você sorriria brevemente para mim com suas sobrancelhas antigas, de calouro de faculdade de medicina, burguês, gentil e educado, eu gosto tanto delas.
Não, na verdade por enquanto gosto delas sorrindo, no momento em que rimos juntos de outra coisa, e eu as procuro a tempo de aproveitar seu riso.
Então é cedo demais para querer sorrir? Com licença, vou correr, correr, o desespero está sempre atrás, e eu? Bem, fico sempre por perto desesperando...
  Às vezes faço de propósito, tentar fazer notar o que eu estou procurando, e quando acho, me desvio rapidamente de você e volto a escrever, como se nada tivesse acontecido. Você não reage. Ah, então por que não me deixa de uma vez? Não é como esperar pela próxima vez em que você vai visitar meus sonhos, mas está umas duas boas quadras perto disso. Minhas aflições quando dou as costas e você é engolido pelo chão, como quem me engana, divertindo-se com a minha testa de criança muito mau-humorada, sorrisos nervosos e radiantes de an-gús-tia, sim, sim, sim. Esquece isso e mais cinquenta e uma palavras que eu falar na sua frente, é certo, vou falar, contadas, cinquenta e uma bobagens.
Nunca vi seus pés, e seus sapatos não me dizem absolutamente nada do que eu penso que você é, e ninguém veio me contar, afinal, quem sabe? Ninguém sabe melhor do que eu que dentro dos seus sapatos moram pés brancos e antigos, tenho certeza, você não é daqui, nem de hoje, vejo no sorriso que fazem as mais curiosas sobrancelhas que já vi, toda manhã que você me intimida com seus olhos castanhos-assustados, seu gosto por exatas e com seu signo, curiosamente invertido, por suas palavras tímidas e raras, de um leão envergonhado.
Nossas conversas nunca duraram muito mais que quinze segundos, mas sei que em comum temos pelo menos medo de se olhar por muito tempo, e medo de dizer tchau e bom dia.
Poderia listar todas as coisas que você acharia de estranho em mim, e nas minhas palavras. Com exceção de acreditar em signos astrológicos e me emocionar com a palavra "humanas", estou sem a menor vontade de imaginar outros absurdos que cabem à esta lista imbecil. Você gostaria de mim, de qualquer jeito? Não precisa responder, eu tenho medo de respostas sérias e racionais vindo entre os seus dentes frios e sagazes.
Quanto tempo estou perdendo aqui? Nenhum, nenhum, estou só fazendo durar o prematuro faz-de-conta, de um menino comum e uma menina normal, com ideias chatas e beijos jovens. Menino e menina agora é o tipo do casal careta-comum, e talvez o melhor jeito de fazer uma coisa diferente seja partir para o clichê. Os comuns também amam nos dias de semana, sábados, domingos e feriados nacionais.
Estou tão comum, que cada dia mais me sinto tão diferente dos ex-comuns. Meu cabelo cresce junto às horas que penso em escrever, esqueço de pensar, e escrevo de você, so-nhan-do. É tudo tão novo, que eu me esqueço que é de verdade, e tenho medo de que de repente seja um delírio, e então começar a te falar de coisas que nunca saíram das estórias que invento pra mim mesma, nas horas vagas, e muitas vezes, nas ocupadas. Parece que eu vou esquecer um sonho, e que tudo vai sair voando a qualquer momento, e lá se vão sobrancelhas se perdendo pelo mundo, deixando os meus olhos sob minhas sobrancelhas tão sem graça, e decepcionadas, tão diferentes das suas, você nunca perderia o que nem mesmo foi seu, como perderia? 
Se fui eu q
u
e
t
i
v
e
?
...

Bem, acho que isso não importa muito, gosto de você o quanto eu preciso para conseguir morrer quando encontro acidentalmente sua expressão perdida, na mesma direção em que eu procuro não perdê-la. Acabou de acontecer. De novo. Obrigada por perceber como estou parecendo uma louca, te perseguindo discretamente.
De todo jeito, eu não gosto dos meus pés, nem das minhas mãos, prefiro quarenta e cinco vezes passar trinta minutos raros contando à Olivette Lettera 82 das sobrancelhas risonhas.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/26/2011 04:22:00 PM | 2 comentários

Lição de aquário




Joguei pro universo, como Clara me falou, vários desejos imersos, num aquário de peixes perdidos, não achava nenhum. Se um dia os desejos chegassem, iria para a praia com Júlia, ganharia um chapéu côco e casaria com o professor.
Mas que universo, menina?! Desde quando ainda tem cinco anos? Vê se esquece tuas roupas, teu universo e mergulha nesse aquário antes que os peixes fujam pra praia, seu professor coma eles e Júlia roube o seu chapéu côco.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 5/26/2011 04:22:00 PM | 6 comentários

Vinícius

Maria e Vinícius, ou era Pedro? Maria era mesmo o nome dela, e não é por que é comum, era mesmo Maria. No fim da tarde, ele se recostava numa pilastra, olhando o jogo e os cabelos de maria, cachos loiros, bola de futebol, um fio ou outro quase brancos, pés e meias brancas, no solzinho das cinco e meia, não sabia bem o que fazia ali, não se preocupava com a tarde passando, não dizia uma palavra, e Maria no seu colo, dormia. Só para esconder seus olhos verdes, e fechados, e torturá-lo, por não vê-los. Dormia ou tentava parecer que dormia, enquanto Pedro olhava seu rosto como um quadro, alguma coisa quase morta, não sabia bem o que fazer, parecia uma criança desajeitada, as mãos enrijecidas, não ousavam triscar na menina.

   Pedro achava que Maria era um anjo. Queria casar com ela, e fazer ela lhe contar histórias toda noite, com sua voz e seus olhos, de fada.
   As sobrancelhas extremamente arqueadas de Pedro o faziam parecer sempre ter a mesma cara, surpresa ou talvez maléfica. Que ironia, mal atravessava um corredor com muitas pessoas, poderia chorar se lhe falassem alto demais.
   Seus dedos foram se movendo, inseguros, tremiam por entre os fios, temerosos em acordar a menina que dormia sem saber que lhe tocavam, lhe amavam, lhe mexiam, Pedro sonhando com Maria, dormiu, em Maria. Sonhou com Maria, sonhou em Maria, e Maria: dormia, em Pedro.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 5/08/2011 12:37:00 AM | 4 comentários