E pouco importa se é o seu aniversário.

     Não adianta, eu não vou dormir cedo, quem se importa se a semana quase não teve noite, e nem eu. 
Feliz aniversário, não importa se já são meia noite e doze, eu ainda estou acordada, o outro dia só começa na hora que eu acordar, depois de ter dormido (mal). 
    Tenho muita coisa pra lhe cantar baixo, sei que seus instrumentos estão sempre desafinados, ou com cordas faltando, já me acostumei, faz tempo que conheço você e eles. Pouco importa, você também se acostumou com a minha voz desafinada.
  Me sinto mal por querer estar tão perto de um amigo que vai como que correndo, cada vez que eu não ligo, que não cantamos mais, pra o lugar mais longe que puder, ainda que ele queira voltar. Voltar prum abraço tímido e quente de boa noite, você pra lá, e eu neste outro quarto, amanhã vamos andar de bicicleta e se perder nos passáros em cima daquela árvore, até escurecer mais uma vez. 
     É como agora. Você aí, eu mais longe, está mais difícil voltar às mesmas conversas de antes. Até a hora que eu surto e você se diverte, e sempre acaba dando errado outra vez, quando estamos juntos.
    Ainda são as mesmas músicas, as mesmas mãos, as minhas grandes, as suas pequenas demais, por mais que se tente, é como tentar alcançar aqueles pássaros lá em cima, com as unhas, nunca crescemos, afinal.
    Está tudo lá, como se fosse perigoso voltar ao mesmo lugar, com as mesmas pessoas, porque ainda somos nós. E é perigoso quando se esquece de que as  horas não são as mesmas, nem a platéia. Estão nos olhando tão estranho, melhor você me soltar e parar de me tocar desse jeito, ninguém está entendendo. Voltamos aqui sem querer, e o que melhor faço agora é mandar você ir embora e nunca mais voltar. Não tão cedo.
      Acho que você gosta de mim, e quer me mandar embora também, não que eu queira ficar, não é isso, não tem nem mais espaço para nós, nem em nós mesmos. Nós nem somos mais. Era tão bom, ser. Mas não tem importância, agora te mando embora, encontrará outras para cantar as mesmas músicas, depois de tudo.

    Que espécie de pessoa te manda embora, depois de tudo, tudo?       Junto com você mando embora esta música, espero que goste. Está dentro da caixa, no pacote amarelado e amassado que lhe mandei. Escute, mas não muito, para não gastar esse pedacinho de mim que tive que sacrificar pra te dar, ainda pulsando, está sentindo...?! Bem, sim, ou não, pouco importa: fomos mandados embora.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/11/2011 01:02:00 AM | 6 comentários

Camisola

   Ela era feminista, no extremo. Mesmo. Naquela época não aceitava nem mesmo amizades masculinas. Nem namoros. Preferia as mulheres mesmo, e também achava que era o mais certo, queria fazer jus à sua filosofia da fogueira de sutiãs. Não era homem, mas seu pai achava isso de vez em quando, nos almoços de domingo. Quem liga? Ela achava que nem homem nem mulher ele era, suficientemente. Chato, bigode tolo, óculos de velho cegueta: tão Honório, nunca mudava uma palavra do seu mesmo velho e batido conselho, desconsiderável.
      Ela estava começando um vício, ensaiadamente controlado, para os dias de semana à noite, e qualquer hora do dia no sábado e no domingo, contra a vontade dele. Papai. Honório. Enquanto esperava sua casa chegar ao ônibus em que ela estava sentada, tentando meditar, lia a placa com o número dos Narcóticos Anônimos no painel de cima do motorista, e concluía que ainda não estava nos seus planos, e mudava de pensamento, encarando o próprio reflexo no espelho trêmulo com o movimento daquela máquina gigante, que abrigava bem umas 40 pessoas, bem espremidas, com medo da chuva lá fora. O espelho tremia, deixando o seu reflexo completamente turvo, acompanhando o ritmo das cabeças encostadas nas janelas (cheias de gotas), batendo, quase que freneticamente. 
       Em casa, então, se sentia homem, muito melhor que o seu pai, mal vivido, bem arrependido, de, certamente, tudo aquilo que havia deixado de fazer na melhor idade. Sua Pandora (gostava de chamá-la assim) a esperava em casa, com o gato cinza no colo, duas velas pequenas acesas, vinho, e algumas torradas.          Parecia que Pandora gostava de fazer a casa ter vida quando a sua mulher, que se sentia homem, chegava em casa. Por isso, só depois do seu marido tirar os sapatos, ligava o pequeno som, colocava aquelas músicas chatas, para quem nunca ouviu, e começavam a dançar.
      Se fosse dar um adjetivo para a dança delas, seria "de movimentos místicos, ou aparentemente anacrônicos", com direito a cabelos balançando, naquele ar frio de fim de tarde chuvosa, e caindo sobre a camisola de manga longa (camurça magenta).  As duas dançavam inconscientemente, era incessável. Os peitos balançavam por baixo da camisola enquanto elas dançavam, mas ninguém viu.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 11/08/2011 04:01:00 PM | 0 comentários

Língua

  Acordei rindo rindo no meio da noite, então percebi que estava rindo de qualquer coisa que estava dentro de um sonho, esqueci rapidamente, e... voltei ao sono - é o que se deve sempre fazer. Quando o sonho recomeçou, vi uma menina de cabelos, cinza, que tinha nojo de fogo, começava a chorar, ficava extremamente alérgica, se é que isso existe. Ela vivia muito só, e quando chegava o fim de semana, almoçava com as tias, que eram muitas, o que a deixava alérgica também, cheia de brotoejas, e suando frio. Camiseta molhada de tanto enxugar as mãos, que suavam e coçavam. Era o seu grande alívio voltar ao seu quarto nunca limpo, com o topo das estantes empoeiradas, gostava de não ter atenção de ninguém. Era prático: papai fuma e dorme no quarto de cima, ficar embaixo era como morar sozinha no mundo. Eram poucas casas na rua, para sua boa sorte, haviam muitos vizinhos solitários também, que não davam bom dia, porque não saíam de casa. 
     Ela gostava de não encontrar ninguém, e se escondia para que não encontrar de jeito nenhum.
     Passava o dia inteiro, dias em casa, dias no bosque úmido, com seus pés brancos descalços, na terra molhada com folhas secas. Tocava e guardava insetos verdes, marrons, e outros diferentes dos que ela viu ontem. Às vezes ia ao lago, e comia peixes bem pequenos, que faziam cócegas, escorregando na sua língua, foi a única vez que a vi sorrir. Acho que como eu, ela devia pensar porquê eu ria tanto enquanto dormia.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/27/2011 09:46:00 PM | 0 comentários

Maria Joana

    Era noite, eu não estava mais com fome, encontrei os copos de plástico, que foram comprados para não haver cacos de vidro quebrado na festa. Os amigos foram se multiplicando, chegavam e quase não comprimentavam, para não atrapalhar o andamento da noite, que ia e vinha, entre bancos, meio-fios, e sapatos fechados, se afogando na lama, e na poeira do asfalto, com as cinzas de tudo que ascendia, e queimava. Pensei como não percebia do que estava rindo, e não eram das coisas engraçadas que estávamos falando sem querer, era de nada, mas brincavam de falar bem de uma Maria Joana, eu achava graça.
    Não dormi, e acordei às cinco, na dúvida de que horas realmente eram, no ônibus vazio, e cheio de pessoas indo trabalhar domingo de manhã. Estava frio, e os postes faziam seu barulho de fios pensando, enquanto cospiam a energia que ligava as televisões dos ex-gordos aluscinados, fumantes, desempregados, que acordavam cedo, domingo de manhã, e isso tudo para simplesmente não fazer nada. Eu nunca tinha observado que os postes faziam este barulho.
     Dormi quase o dia inteiro, com alguns intervalos desesperados, onde já não sabia se era ontem, amanhã de manhã, ou semana que vem, ou se já tinha acordado de verdade. 
     Acordei, fiquei dez minutos de olhos fechados enquanto ia esquecendo meus sonhos, o que me irritava muito. Estavam na ponta da língua há alguns segundos, e já esqueci quase tudo. Parecia que o instante tinha durado dois segundos, e só. E demorei de entender que na verdade estive dormindo dez minutos daquele relógio, e achei estar apenas meditando. Minha testa estava suada, e minhas mãos estavam secas, é estranho o jeito que a gente acorda.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/17/2011 11:31:00 PM | 2 comentários

Aveia

Ele dizia que tinha insônia, deixava mensagens às três da manhã, ela não estudava, usava anel de flor, e ficavam felizes assim.
Ele não entendia porquê ela chorava e ria de nervoso no início de cada mês, era sua primeira namorada. Parecia um menino quando via o quanto ela sabia de tudo que existia do lado de fora do livro de física 3, e do que cairia na prova de sábado. E parecia seu pai, com seus 1,78, dizendo a ela que tivesse "juízo, você vai acabar me deixando maluco com essas histórias de experimentar coisas novas".
   Ela ouvia música demais, ele passava os dias implorando para ela cantar um pouquinho mais alto, ele estava gostando. Ele não comia frutas e era metrosseuxual, ela voltou a usar brincos, continuou comendo pão integral e tomando chá. Brigavam pelo desinteresse dele na aula de artes, na vontade dela de fazer coisas erradas.
    Ele era consumista, capitalista, burguês, andava de taxi. Pegou ônibus com ela 7 vezes, só no mês passado. Assistiram filmes, no sofá, no tapete, a casa dela parecia outro planeta, ele preferia almoçar fora, mas tudo bem. Ele viu ela abraçar o amigo e quis brigar, ela chorou e ele pediu desculpas.
   O sobrenome dele era aveia em italiano, então ela preferia não falar para não ficar com fome. Ela escrevia os dias da semana em francês, para não esquecer, ele não lembrava em que dia estavam, e perguntava pra ela, mas ela não falava francês porque tinha vergonha. Segunda, terça e quarta-feira ela ficou de mau-humor, ele deu um beijo na testa, e quinta-feira chegou. Está tudo bem...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/06/2011 04:22:00 PM | 1 comentários

Trigo

Pareciam duas crianças, tão cuidadosas e tão sutis, deitadas no algodão tranquilo sem suas camisetas. Ele sorria e lhe fazia tranças no cabelo cor do assoalho loiro escuro, que escorregavam nas suas costas lisas e brancas, e ela se arrepiava sem querer, e sem se importar. Estava frio, quando estavam na sombra, era o suficiente para cada toque macio nas suas orelhas parecerem vento sobre um campo de trigo. Às vezes rolavam na cama, tentavam aproveitar o fino feixe de sol que aquecia suas bochechas, sem fazer calor. Seus olhos tinham cor de madeira e azeite de oliva, mas poderiam dizer que eram quase pretos quando não estavam na luz. 
Ele tinha os dedos dos pés longos, e quando passeavam nas pernas dela eram como pincéis secos numa tela em branco, faziam "shhhhh...". Ela tocava delicadamente o canto da sua boca com dois dedos, leves, quase não se sentia que ela estava realmente o tocando. Encostava o nariz embaixo do olho direito dele, olhando suas pálpebras sem rugas, como uma bolha de sabão. 
Ela tinha colinas no encontro da cintura com as pernas, ele as mapeava, gentil e em silêncio. 
Do lado de fora, três e cinquenta, perto da praia e do asfalto, fazia quarenta graus, e havia sensação de pedras, poeira, chão quente e estrada. Como podia fazer tempo bom na cama? 
Enquanto isso, pensavam em qual seria o próximo gesto, o próximo sopro. Ela pensou em beijar o seu umbigo, ele também, e então, dizer que seria bom dormir, pois era o melhor a fazer numa hora tão vazia. De repente sorriram devagar, misturando os olhos marrons com oliva, e os cílios cederam. 
Quebraram o momento, adormeceram. Saíram dali, para sonhar com um beijo cru.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 10/04/2011 01:02:00 AM | 0 comentários

Falésia

   Está tudo uma bagunça, estou repetindo as mesmas aflições, porque tudo é igual. Cada dia que acaba me sinto mais aleatória, não consigo escrever, nem pronunciar direito, parece mais fácil copiar o que eu já tinha escrito antes, e a preguiça me carrega, porque ando tão mole, que ela está sempre um pouquinho menos cansada que eu. Prefiro de todo jeito, dizer que estou confusa, e que não consigo fazer mais nada, porque é tão pior ficar confusa, não conseguindo, e ainda calada, que me dá tédio, e vontade de contar para algum cachorro que passe reto por mim na calçada. Eu devia ser como ele, quando vejo você preguiçosa me seguindo, esperando que eu te carregue, esperando que eu te dê meus sonhos para você copiar, passar ao limpo, ainda que o faça extremamente mal feito, devo lhe dizer.
   Seu cabelo se parece com o que eu deixei crescer, seus brincos estão sempre iguais aos meus, suas músicas parece que saem da minha boca e você suga pelos ouvidos, e diz que são suas. Sua poesia é uma prima invejosa dos meus sofrimentos, de tudo que cai na minha vida. Parece até que nos acontecem as mesmas coisas.
   Te imagino em sua casa, aflita, não estuda, não finge, só grita. Chora. Procura roupas pela casa que te lembrem algo peculiar que usei. Se eu pudesse te tirar disso...
   Você gosta tanto de mim, que tenho raiva, mas não consigo te empurrar, e depois sair sem dar nem adeus, te olhando cair das minhas falésias tristes, porque não gosto que se arrastem atrás de mim, esperando eu jogar um pouco do meu ar no chão, para respirarem meu nome, em decadência...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/17/2011 04:51:00 PM | 8 comentários

Matei formigas ontem?

   Vi duas gêmeas na rua, uma estava com a cara mais enrugada que a outra, e a segunda tinha mexas cor-de-rosa, mas as duas tinham combinado de deixar o cabelo loiro pintado, e os olhos verdes de verdade, do jeito que tinham nascido. 
   Comprei dois pirulitos da minha marca favorita, cada um vinte e cinco centavos, e a vendedora falava com uma moça que tinha acabado de sair da casa da patroa pra pegar um ônibus, e acabara de perdê-lo, sem saber, porque as duas conversavam sobre uma menina, que queria ter uma menina, e não queria saber se aquilo ia atrapalhar a vida dela. Mas, só uma das moças a conhecia, e se a grávida abortaria ou não, a segunda não se importaria na hora que estivesse fazendo o nescau de Beto e Fernandinha, na hora do lanche, quando a patroa ligasse dizendo que já já ia pegar eles pra levar pra natação. Lambuzei meus dedos com o pirulito que devia estar naquele sol há meses. A embalagem estava difícil de sair, vários pedacinhos dela grudavam enquanto eu tentava me livrar deles, e meu cabelo achou que aquela era uma boa hora para se espalhar na frente dos meus olhos, bem desgrenhado. Não podia tocar no meu cabelo com aquelas mãos grudentas, meladas de pirulito gosmento de maçã verde. 
   Resolvi tudo o que tinha para fazer no centro da cidade, e no ponto de ônibus perguntei ao vendedor de pipoca, depois de pedir salgada em cima e doce embaixo, sem manteiga, e ainda assim receber o contrário e com muita manteiga, qual ônibus ia pra o lado que eu queria. O pipoqueiro me fez andar um bocado até um prédio lá doutro lado, e ainda peguei o ônibus errado. Entrei, e quando vi que o motorista estava fazendo a volta no lugar errado, me levantei num estalo e puxei a cordinha, resolvi que ia andando para casa, enquanto pensava no que o pai de uma amiga minha sempre falava, que "de graça até ônibus errado". Discordei, achei a maior idiotice de todos os tempos, ainda mas que havia me custado dois e cinquenta.
   Na quinta-feira peguei outro ônibus errado, com Ricardo, o que era de se esperar, parecemos dois meninos de doze anos quando nos juntamos para fazer sei lá o que, e acabamos deixando de fazer pra ficar rindo de tudo que não tem graça, e de nada também. Saltamos do ônibus e o semáforo estava no vermelho, refletimos rapidamente pela falta de costume das pessoas de dar carona aos outros. Fomos na janela de um carro, com um homem negro no banco do carona e uma loira rica dirigindo, um carro era simples, cheio de tralhas e uma cadeira de bêbê, sem bêbê. Perguntamos se eles estavam indo para a mesma direção que a nossa, e pedimos carona. Ficamos o caminho inteiro rindo internamente e baixo da conversa dos dois, dos objetos inusitados dentro do carro, e pensando o que eles eram um do outro, parecia qualquer sonho sem nexo. Mesmo assim, foi uma boa carona, chegamos. 
   Seis e meia da noite, atravessei a rua correndo, antes dos trezentos carros que vinham depois de mim, e vi o meu mendigo preferido, mais bonito do que nunca, com seus cabelos cacheados, saltitante, como sempre. Me mandou um beijo, e diferente das cantadas de pedreiros e homens do tipo bisavô solteiro, ele era alguma coisa de cinema, e eu não consegui deixar de sorrir de volta.
   A semana passou assim, e tomei muitos banhos, mas na outra eu não sei, de repente, me atraso, e não tenho tempo de tomar banho, porque está tarde demais, e o barulho do chuveiro acorda minha mãe que dorme no quarto ao lado.
Mas o pior de tudo, são as mil formigas enormes que surgem no banheiro depois da meia-noite. Se fossem pequenas, seria mais fácil, eu pensaria que "não posso esquecer das cinco ou mais formigas que matei, só na calçada antes da esquina da lanchonete amarela, sou um ser humano muito mau, vou matar estes também". Mas tenho muito nojo de formigas grandes. E se ontem pisei em uma sem querer? Eca.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 9/05/2011 09:05:00 PM | 0 comentários

Louça

Meu bem, não te chamo de "meu" de novo, porque não posso, você é seu, só seu. Não posso te chamar assim, porque quando chamo sempre dá problema, e acabo te colocando entre os muitos "meus", e veja que me preocupo com isso aqui de gente!
Fica bem, e com certeza melhor do que na minha mão, porque quando é meu, descuido e cai no chão, já era. Não tenho culpa se são todos de louça, e gostam de mim, porque não consigo deixá-los na sargeta da vida, sem sorriso e sem um pouco das minhas palavras. Mas o que adianta? Pego, cuido, escorrega, cai e quebra, pronto. É melhor não curar todo esse abando, e deixar que eles trinquem de tanto silêncio e solidão. É, da próxima vez nem toco .

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/24/2011 12:27:00 PM | 3 comentários

Fome escarlate

Corre-corre, de coração em coração, olha, cheira, aperta, mordisca: aprecia e cospe. Arranha cada um, tira a pele, queima, derrete e sangra. Morde e enche a boca, deixando pingar as gotas sutis de amor escarlate, enquanto ainda há vontade nos beijos jovens e nos olhos fechados.
Declara o maior amor que consegue arrancar de dentro de si, convence, e rouba o que deseja que seja seu, só seu, para o resto da vida. Ainda que não queira mais, e deixe de lado, cada pedaço morto de um amor desperdiçado.
Sente mais fome, percorre e rasteja, pega depressa, antes que alguém veja. Abre, rasga, mais uma vez, porque realmente sente prazer em despedaçar cada coração como se fosse o último. Faz assim, mas não faz por mal, nunca quis por maldade. Com os dentes bondosos, ainda que manchados com a cor de tristeza, chora baixo, tenta explicar sua fome, incessável, mas não encontra vítima que entenda, gostaria de pedir desculpas, não gosta de comer com pressa, e mastigar com tanta força, porque machuca.
Um mal grave, bonito de início, mas tão fatal nos fins que tem... São coisas da idade, esperava que fossem. Crescia, e ria, ardendo de hora solidão, hora companhia, daqueles amores, amores, e amores, que devorava sem querer, por uma voracidade -involuntária- que crescia nas entranhas.
Mas é tão bonito... Por que machuca? A idade é grave, gravíssima, sem cura, sem preguiça, há sempre mais curiosidade de provar uma fruta mais vermelha, e tão viçosa quanto a cor picante das veias, que quase não suportam a rapidez do sangue que corre, em fuga, mas também a procura.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/19/2011 08:55:00 PM | 6 comentários

Dor(me)-de-cabeça-vazia...

Minhas ideias estão doendo. Três horas para ler e pensar é muito, não preciso do dobro, nem da metade. E para quê tenho o triplo e meio a mais do que preciso, eu não sei. Por isso que estas tantas horas de tortura, deixo passar sem atenção, prefiro ficar não pensando, em outras cem coisas que estão querendo passear pela cabeça, sem fazer barulho, e sem dar trabalho, e isto ainda não me faz tão preguiçosa.
   Medito sobre tudo que é desimportante para os grandes pensantes, que me beliscam, até o último pedacinho de mente que restava sem os germes das palavras difíceis. Os germes que cheiram a tudo que eu não quero saber, mesmo se for muito necessário.
   Eu vou ranger meus dentes, bem forte, bem alto, até doer. Eu vou passar duas horas pensando na quantidade de perdas-de-tempo que eu preciso infincar na minha cabeça. E se eu tiver tanta coragem quanto raiva, vou martelar cada palavra, furar minhas ideias puras, contaminá-las, serei um indivíduo de outras ideias, velhas, afogadas e sujas de limo, ideias de desconhecidos, que me torturam.
   Me desespero tanto! Penhasco, onde se esconde? Onde, onde? 
Dizem que no triângulo das bermudas tudo parece mais tranquilo: some chão, some eu, mundo some, some tu-do. Sinto muito, muito, ter que comer a cabeça do mundo e cuspir o que eu não gosto de saber. Eu não gosto. 
   Não... Queria rir, mas hoje não vai ser, perdi muito tempo reclamando, que queria parar de reclamar, e no fim, não ri. Já passou da meia-noite, e se eu quiser rir, não pode mais ser hoje, que acabou de virar ontem, assim: "há duas horas foi ontem". Tão fácil, tão rapidinho. Se por acaso me convir dar uma risada, terá de ser no hoje-hoje, o segundo.
   Hoje, que vai ser amanhã depois que eu acordar, da curta noite de duas horas de sono, a chuva vai fazer músicas dissonantes estranhas, enquanto eu estiver pensando no que dizer, depois que abraçar a minha menina. Ou pelo menos eu espero que a chuva cante, e que eu veja a menina.
   Ela vai segurar a chave pendurada no meu pescoço, como se fosse dela, vai abrir meu cérebro como se fosse um coração metafórico, e vai abraçar meus pensamentos doentes e cansados, como se eles fossem eu mesma. Eu não acho nada disso completamente fora do normal. Só vejo poesia demais, para a minha pouca menina. E menina demais, para as minhas poucas ideias: umas assim, e as utras viradas ao contrário. As ideias de medo do mundo, e as de amor peculiar, acompanhado por chuva. 
Menina: destranque, abra, carregue e cure. Eu estou doente de ideias hoje, depois que acordei do sono pouco e duro. Os dias andam tristes. Torne mais fácil, feche meus olhos, tranque as portas de mim. Me faça dormir mais.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 8/13/2011 02:30:00 AM | 4 comentários

Senhorita Microfonia

   Eu me arrependo cada segundo de ter aceitado cantar aquela música. As coisas sempre saem da pior maneira quando você está do lado de fora do quarto, sem tapete, sem travesseiro para rir, quando você cospe notas absurdas. Seria pior se rissem, mas o silêncio que eu via na cara das pessoas que nem pensavam na minha aflição era o pior. Acho que não davam a mínima, para a menina tola que não fazia diferença na noite de terça-feira delas. 
   Parecia um pesadelo, dos mais agoniantes, quando você faz coisas que estragariam sua vida de uma vez, e você certamente não teria coragem de fazer se fosse de verdade. Não aguentava não me ouvir, piorava quando ouvia, porque eu não conseguia fazer certo, eu não conseguia fazer certo.
   Os tímidos então, são um bando de criaturas enjoadas e orgulhosas? Era tudo de verdade, e eu até pensei que ia rir dessas coisas depois de um tempo, mas tenho certeza que não vou. Faço caras de sofrimento, e dou gritinhos estéricos e repentinos quando me lembro. É muito fácil falar quando eu não estou mais lá. Na verdade, continua difícil, mas eu continuo cantando todos os dias, pra o canto da parede e para o armário, que guarda minhas notas graves e estranhas com muito cuidado.
   Eu tenho medo de microfones, que microfoniam quando eu os viro ao contrário, quando sinto muito mais vontade de entortar meu pescoço e quebrar meus ossos, mas não posso.
   Acordei assustada, lembrando a Microfonia me gritando "SAIA, ESTÚPIDA". Eu deveria ter corrido, antes mesmo de começar. Teria menos vergonha de ter tido vergonha, do que a vergonha que está pinicando nas minhas costelas, por ter criado uma coragem feia e deselegante, uma coragem ainda um pouco tímida. Não era a hora.

   Venha só você aqui do meu lado, dividir comigo meu tapete, meu pequeno sonho, de cantar sozinha pra mim mesma, e cantar só um pouquinho pra você, para manter o cuidado que tomaram minhas paredes e meu armário, de guardar bem guardado, meu sorriso desafinado, não tenho tanta vergonha assim de você.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/27/2011 07:22:00 PM | 3 comentários

Sete anos, sete dias

 O silêncio era quase como um sonho durante os sete dias em que ela esteve lá. As perguntas eram mais frequentes que o tanto de vezes que ela conseguia respirar entre as palavras. Bastava ouvir rastros da sua voz chegando pelas escadas, que certamente, a paz de todos dentro de casa, mais a do resto da vizinhança, e da vizinhança vizinha, saía pela porta dos fundos. Correndo. 
 Ela abria a porta como quem derruba a entrada do terreno inimigo, então ouvia-se um coro de suspiros daqueles que eram escravos de sua voz, tão aguda, irritante e autoritária. Sete anos. Sete anos haviam sido o suficiente para que aquele monstro, abominável, se tornasse tão abominável, para qualquer um, e nem um pouco para ele mesmo.
 Morangos à mesa: dois terços, incluindo os maiores e mais vermelhos, iam sem muita cerimônia, se atirar como pedras na boca com menos dentes que a quantidade de morangos, aquela boca que ela fazia questão de manter aberta, ao mesmo tempo que entrava comida e saiam palavras.
 Suas mãos, sempre mais sujas que os pés, com manchas das frutas vermelhas que ela tinha roubado do pacote que alguém acabara de trazer do mercado, unhas curtas, redondas, roídas, sujas e com restos de esmaltes toscos. Com as mesmas mãos, ela pegava nas outras pessoas, nos cabelos, no que comia, sempre deixando sua marca de pequeno animal selvagem, morrendo de fome e querendo sempre mais alguma coisa, de preferência a que está no prato ao lado. E ela conseguia. Com ou sem "sim", que ela sempre ousava arrancar dos outros com um "por favor", e uma cara de cínica e coitada que me dava nojo, nos seus monólogos onde ela perguntava, e, gentilmente, tomava a liberdade de responder o que lhe parecia melhor.
E como me dava nojo, no final do dia, ter que falar seu nome pela septuagésima vez, provavelmente por alguma das mil besteiras que ela conseguia fazer, de cinco em menos cinco minutos. Criança estúpida. Carregava os pratos e mais tudo que fosse frágil, como se estivesse dando o seu máximo para que tudo escorregasse e caísse no chão com muita vontade.
Seus cabelos, imensos, loiros, castanhos e claros, pareciam mais novelos de fios misturados, embaraçados, que formavam cinco ou seis pontas, num cabelo que supostamente seria liso. Entre tudo que odiei nela, estão os desenhos, que ela pensava serem os melhores, exceto pelos meninos, que ela dizia não desenhar tão bem. Para mim, os meninos, as meninas, árvores, peixes, EU, ela desenhava o pior imaginável. Terrível. E veja que foram só sete dias. Terríveis.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/26/2011 04:59:00 PM | 1 comentários

Sobrancelhas século XIX



Eu não gosto de mãos. Talvez esse não seja o melhor jeito de começar a falar do menino das sobrancelhas risonhas...

Agora uso brincos, tão normais quanto as minhas calças justas, e a minha timidez.
Eu não sou tímida. Essa é quase a primeira vez que não tenho coragem para dizer "bom dia" e continuar parada ao seu lado, tentando ignorar o silêncio-irônico-dos-bobos-que-esperavam-falar-mais, mas você congela em sua mania de coçar o braço direito, como se sua mão esquerda estivesse nervosa demais para ficar quieta, enquanto eu faço um mudo toc-toc com a ponta dos sapatos, olhando pro chão, aguardando a cabeça querer olhar pro teto. Depois de algum tempo, acabaríamos dizendo qualquer coisa, qualquer uma, qualquer duas, você sorriria brevemente para mim com suas sobrancelhas antigas, de calouro de faculdade de medicina, burguês, gentil e educado, eu gosto tanto delas.
Não, na verdade por enquanto gosto delas sorrindo, no momento em que rimos juntos de outra coisa, e eu as procuro a tempo de aproveitar seu riso.
Então é cedo demais para querer sorrir? Com licença, vou correr, correr, o desespero está sempre atrás, e eu? Bem, fico sempre por perto desesperando...
  Às vezes faço de propósito, tentar fazer notar o que eu estou procurando, e quando acho, me desvio rapidamente de você e volto a escrever, como se nada tivesse acontecido. Você não reage. Ah, então por que não me deixa de uma vez? Não é como esperar pela próxima vez em que você vai visitar meus sonhos, mas está umas duas boas quadras perto disso. Minhas aflições quando dou as costas e você é engolido pelo chão, como quem me engana, divertindo-se com a minha testa de criança muito mau-humorada, sorrisos nervosos e radiantes de an-gús-tia, sim, sim, sim. Esquece isso e mais cinquenta e uma palavras que eu falar na sua frente, é certo, vou falar, contadas, cinquenta e uma bobagens.
Nunca vi seus pés, e seus sapatos não me dizem absolutamente nada do que eu penso que você é, e ninguém veio me contar, afinal, quem sabe? Ninguém sabe melhor do que eu que dentro dos seus sapatos moram pés brancos e antigos, tenho certeza, você não é daqui, nem de hoje, vejo no sorriso que fazem as mais curiosas sobrancelhas que já vi, toda manhã que você me intimida com seus olhos castanhos-assustados, seu gosto por exatas e com seu signo, curiosamente invertido, por suas palavras tímidas e raras, de um leão envergonhado.
Nossas conversas nunca duraram muito mais que quinze segundos, mas sei que em comum temos pelo menos medo de se olhar por muito tempo, e medo de dizer tchau e bom dia.
Poderia listar todas as coisas que você acharia de estranho em mim, e nas minhas palavras. Com exceção de acreditar em signos astrológicos e me emocionar com a palavra "humanas", estou sem a menor vontade de imaginar outros absurdos que cabem à esta lista imbecil. Você gostaria de mim, de qualquer jeito? Não precisa responder, eu tenho medo de respostas sérias e racionais vindo entre os seus dentes frios e sagazes.
Quanto tempo estou perdendo aqui? Nenhum, nenhum, estou só fazendo durar o prematuro faz-de-conta, de um menino comum e uma menina normal, com ideias chatas e beijos jovens. Menino e menina agora é o tipo do casal careta-comum, e talvez o melhor jeito de fazer uma coisa diferente seja partir para o clichê. Os comuns também amam nos dias de semana, sábados, domingos e feriados nacionais.
Estou tão comum, que cada dia mais me sinto tão diferente dos ex-comuns. Meu cabelo cresce junto às horas que penso em escrever, esqueço de pensar, e escrevo de você, so-nhan-do. É tudo tão novo, que eu me esqueço que é de verdade, e tenho medo de que de repente seja um delírio, e então começar a te falar de coisas que nunca saíram das estórias que invento pra mim mesma, nas horas vagas, e muitas vezes, nas ocupadas. Parece que eu vou esquecer um sonho, e que tudo vai sair voando a qualquer momento, e lá se vão sobrancelhas se perdendo pelo mundo, deixando os meus olhos sob minhas sobrancelhas tão sem graça, e decepcionadas, tão diferentes das suas, você nunca perderia o que nem mesmo foi seu, como perderia? 
Se fui eu q
u
e
t
i
v
e
?
...

Bem, acho que isso não importa muito, gosto de você o quanto eu preciso para conseguir morrer quando encontro acidentalmente sua expressão perdida, na mesma direção em que eu procuro não perdê-la. Acabou de acontecer. De novo. Obrigada por perceber como estou parecendo uma louca, te perseguindo discretamente.
De todo jeito, eu não gosto dos meus pés, nem das minhas mãos, prefiro quarenta e cinco vezes passar trinta minutos raros contando à Olivette Lettera 82 das sobrancelhas risonhas.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 7/26/2011 04:22:00 PM | 2 comentários

Lição de aquário




Joguei pro universo, como Clara me falou, vários desejos imersos, num aquário de peixes perdidos, não achava nenhum. Se um dia os desejos chegassem, iria para a praia com Júlia, ganharia um chapéu côco e casaria com o professor.
Mas que universo, menina?! Desde quando ainda tem cinco anos? Vê se esquece tuas roupas, teu universo e mergulha nesse aquário antes que os peixes fujam pra praia, seu professor coma eles e Júlia roube o seu chapéu côco.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 5/26/2011 04:22:00 PM | 6 comentários

Vinícius

Maria e Vinícius, ou era Pedro? Maria era mesmo o nome dela, e não é por que é comum, era mesmo Maria. No fim da tarde, ele se recostava numa pilastra, olhando o jogo e os cabelos de maria, cachos loiros, bola de futebol, um fio ou outro quase brancos, pés e meias brancas, no solzinho das cinco e meia, não sabia bem o que fazia ali, não se preocupava com a tarde passando, não dizia uma palavra, e Maria no seu colo, dormia. Só para esconder seus olhos verdes, e fechados, e torturá-lo, por não vê-los. Dormia ou tentava parecer que dormia, enquanto Pedro olhava seu rosto como um quadro, alguma coisa quase morta, não sabia bem o que fazer, parecia uma criança desajeitada, as mãos enrijecidas, não ousavam triscar na menina.

   Pedro achava que Maria era um anjo. Queria casar com ela, e fazer ela lhe contar histórias toda noite, com sua voz e seus olhos, de fada.
   As sobrancelhas extremamente arqueadas de Pedro o faziam parecer sempre ter a mesma cara, surpresa ou talvez maléfica. Que ironia, mal atravessava um corredor com muitas pessoas, poderia chorar se lhe falassem alto demais.
   Seus dedos foram se movendo, inseguros, tremiam por entre os fios, temerosos em acordar a menina que dormia sem saber que lhe tocavam, lhe amavam, lhe mexiam, Pedro sonhando com Maria, dormiu, em Maria. Sonhou com Maria, sonhou em Maria, e Maria: dormia, em Pedro.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 5/08/2011 12:37:00 AM | 4 comentários

Odeio você dentro do seu carro

Caía chuva desde as seis da manhã, e eu esperei demais. Três e quinze, coloco o vestido preto, e corro com medo de perder a chuva. Bicicleta vermelha, o mundo parecia mais vibrante. Parecia que as plantas cresciam e brilhavam mais enquanto chovia, ninguém nunca veria aquilo, do jeito que eu vi, parecia uma gravura mentirosa. Só quando a gente tenta escapar da chuva que ela parece cinzenta e assustadora, e eu não estava preocupada com o pântano na forma dos meus sapatos, ou no meu vestido molhado pesando como uma cortina de couro, o que fazia parecer que havia até três sóis brilhando, incansáveis.

   Pedalava sem o menor esforço, acompanhando muitos passarinhos que estavam ali, voando na mesma velocidade que eu ia, rasante sobre as poças, fazendo parecer que um dragão passava sobre a água. Eu queria ficar, mas sabia que tinha saído por outra vontade. Queria ver minha rua preferida, com aquela chuva me abraçando, tudo ia parecer mais seguro.
   Subo a rua empurrando a bicicleta molhada, ralentando, querendo fazer o caminho inacabável, uma rua infinita. A rua acaba. Tão alta, e cheia de curvas, não tenho coragem de descer. Vejo os carteiros dividindo-se entre as veias, outras ruas que bifurcavam-se, me lembrando labirintos. Eu estava correndo em câmera lenta dentro de um labirinto, por vontade própria. Eu me obrigava a ficar lá dentro, o quanto fosse possível. Meu cabelo estava encharcados, as mechas separavam-se, grudavam no meu rosto.
   E você, suas camisetas, óculos e livros, onde estão? Depois de encantada e sorridente pela chuva, gotas macias, rua poética, vem a raiva sem fim. Um dia você vai subir mil ruas para encontrar meu descontentamento, meu amor guardado nas gavetas, escondido nas cartas. Vai me pedir gentilmente para dividir meu surreal com a sua mudança, e eu aceito, e procuro logo por uma pergunta, que faça você me responder porquê fugiu durante anos.
   Eu tenho um orgulho ridículo e invisível, poderia correr para chegar a tempo de ver você correndo de mim. Eu sei que você nunca vai mudar de ideia. Ninguém nunca mudou. E eu estou aqui. Eu ainda tomo chuva. Eu ainda escrevo cartas. E quem sabe você não estava lá o tempo todo, atrás do vidro do seu carro, me assistindo, criança perdida na chuva, enquanto me odiava, seco e amargo.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/30/2011 08:44:00 AM | 0 comentários

Rasga


Olhos manchados, verdes. Magníficos, vulcânicos. Amo: segredo. Destruo quem sente o mesmo por você, e mesmo que eu não quisesse causar tanto, agora quem te ama, me odeia. Odeia, poderia até me matar, e deixaria de comer para ficar chorando.
   Perdoe-me pelos abraços, pelas flores, pelo bilhete, pelas balas de canela, pelos cravos, e pelo pássaro de papel. Foi tudo feito desde o início, já querendo te distrair. Atrair, para mim.
   Menti quando não disse nada, enquanto você questionava o meu coração volúvel e o tempo que ele te faria durar dentro de mim. Horas quase nada, outras horas, sempre, cada segundo. Somos incertos, e competimos a incerteza de cada um, eu e o coração. Só por favor não fique triste se ele te fizer durar pouco, eu nunca tenho a culpa. Sou alheia e ele nunca pede a minha opinião, me rasga e rasga os bons, às vezes os melhores outros corações que se arriscam por aí, atirando-se do viaduto.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/24/2011 05:48:00 PM | 0 comentários

Aquela com o Sobrenome da Janis Joplin





E então é assim? Ela me esqueceu? Ela me esqueceu, "esqueceu", sim, mas pensa, uma ou duas vezes na semana, só por descaso da própria memória, de deixar entrar um lembrança tão boa, que dá vontade de chorar de tanta saudade daquele amor tão frágil que caminhava vacilando, horas com toda a certeza de sem-fim, infinito, final bom. Horas áspero, indiferente, cuspir na sua cara palavras grossas e meus beijos reservados para um ninguém qualquer. Massacre, ainda que sem a intenção de fazer sofrer, como eu fiz.


   Você sempre teve toda a razão, ou eu que tive, e com toda essa razão, estúpida e insensível, rasguei todas as frases sonhadoras e perigosas que você inventava, alguma coisa não me deixava aceitar elas. Era demais para mim, sempre foi. E acredite, de algum jeito, continua sendo. Você ainda está aqui, e eu só percebi agora, o quanto você mora em mim, e faz falta, ainda que eu nunca mais vá ter a maldade de te querer tanto, a ponto de pedir para você voltar. Você e esse seu nome, com o sobrenome da Janis Joplin. Janis Lin Joplin. E de repente, quando eu achava que tinha esquecido de tudo, uma surpresa.


   Pela primeira vez, depois do 29 de maio, o único que eu me lembro, por motivos sublimes, me espantei, mais do que todas as vezes que tive o maior dos espantos, quando vi você dizer pela primeira vez, com o tom que me pareceu tão desconsiderante e normal, que, não sentia tanta falta. Não mais.


   Eu realmente consegui. Consegui entrar na sua vida, fazer dela meu sonho, e virar o seu. Sonhamos juntas, e sorrio, quase até choro um pouco ao dizer isso. Consegui ignorar, entender, gostar e destruir tudo, algumas vezes. Ainda posso destruir mais, mas acho que não conseguiria.


   Ainda há o que se destruir, alguma coisa ainda canta nesse espaço que vai de mim e se afasta cada vez mais de você, ou o contrário.


   Queria ter coragem de perguntar, sem mais nem menos, por onde você anda, aparecer de repente, quem sabe sorrir de um jeito estranho, daquele jeito que eu sorrio quando gosto de acabar com a saudade de te abraçar, encostar minha orelha no seu ombro sem medo, e você me acolher com um olhar para qualquer lugar.


   Alguma coisa não me deixa. Agora que eu te deixei seguir sem mim e de uma certa forma aprendi a seguir sem você. Acho que seria a coisa mais estúpida, ainda mais, se fosse sem a certeza, que de qualquer jeito, eu nunca tenho. Vai que eu me arrependo por um motivo ou por outro, ou por nenhum.


   Me disseram outro dia que eu "desapaixono muito rápido". E sinceramente, fico confusa escrevendo tudo isso, e pensando em você, então não pode ser verdade. Isso vai durar anos, talvez muito mais do que se você ainda estivesse aqui do meu lado. 


   Você me disse uma, centenas de vezes, que eu fui a primeira pessoa por quem você se apaixonou. E eu sempre fiquei em silêncio. Eu não sei, de verdade, ou não sabia, se eu já me apaixonei. Acho que não sei bem como descobrir. Mas pelo que eu sei até agora, talvez eu possa dizer que você foi a única pessoa por quem eu me apaixonei, e foi a primeira, e vai continuar sendo a primeira, vai continuar existindo e me fazendo pensar em arrancar você, de onde quer que você esteja, e fazer tudo ser como antes.


   Fiz um passeio por nosso tempo... acho que estou razoavelmente bem. No fundo, vai ser como se eu pudesse decidir a hora de gostar de você, de acordo com o que me diz a saudade.
   E você, o que me diz?

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 4/07/2011 11:29:00 PM | 0 comentários

Branco cor-de-água

-Não, acho que é na próxima...




-Aqui. Não foi difícil achar...





-É!...Tchau, obrigada.




Primeiro pé, o segundo, procurando o equilíbrio em cima de um salto quinze azul escuro, mas todos achavam que era preto. O palco estava ali, já estavam todos vestidos e maquiados, e eu estava atrasada para entrar, mas encontrei a minha deixa




-Merda!- diziam em couro arregalando os olhos para mim, e voltavam-se para o seu antigo foco.


-Merda para vocês também (e nunca, nunca, boa sorte!).


Me perguntei se aqueles sorrisos faziam parte da cena, ou se era algum sinal. Um bolo imenso tomava conta do centro, e em volta espalhavam-se mais de duzentos figurantes, e os espelhos em cada parede pareciam aumentar mais ainda as dezenas de pessoas fingindo comer e gostar da comida. Quem escolheu aquelas roupas e aquelas caras? Não gostei, mas não tenho concentração o suficiente para me distrair com trivialidades.




Toc. Toc...Toc. cada passo é bem calculado ou pelo menos deveria ser, nas pequenas quedas quando passam das duas da manhã. Eu não sou a única, todas ali pareciam palhaços em pernas-de-pau. Eu estava vestida no meu velho personagem, alguém comentou sobre a minha mesma boca vermelha e venenosa, os meus mesmos sinais embaixo do olho. Tarde demais, não posso trocar o papel tão em cima da hora, já estávamos em cena, talvez não me reconhecessem com outra pintura.




Cumprimento os conhecidos, nem tantos, desconhecidos... acho que nenhum.




Depois de duas horas estamos todos aglomerados como mortos de sede num deserto, dando a vida e roubando um pouco da morte por um drinque.




Mas não. Coca. Coca. Coquetel. Suco. Coca. Cerveja.




Vodka, vodka, vodka, por que demorou tanto, se haveria de acontecer? Ninguém repara no meu copo, transbordando álcool, branco cor-de-água.




Então, todos se voltam para mim enquanto tenho uma coragem repentina de arriscar alguns passos, cambaleando pelo chão brilhoso. Aquilo estava começando a me consumir. Pronto, já acabei. Agora já sou (a mentira). Finalmente, quantos amigos! Não beijo ninguém, só um ou duas. Chega. Me sinto um rato estúpido e insuficiente. Chega, me deixem encher o copo de vocês com um pouco do meu sofrimento. Eu odeio, odeio vocês.




Tchau, meus queridos, até breve... Aceno, sorrindo, entro no carro: confusão. Inverto, de novo, os papéis, nunca bebi. Nunca fiz na-na-na. Melhor parar de falar. Silêncio.




Chegamos. Tiro o primeiro, o segundo, agradeço por não ter um terceiro sapato, apesar de me parecerem quatro, mas tudo bem, amanhã voltarão a ser apenas dois. Apago tudo.


Palmas? Hoje não, não dessa vez, quem sabe num outro espectáculo... agora ande, me traga um cigarro, só um.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 3/20/2011 06:31:00 PM | 0 comentários

Maria Amélia




Eu não queria falar de mim, mas nunca há outro jeito. Sou a única pessoa que eu conheço, até agora. Me engano então, presenteando-me com um codinome, assim não vai ficar tão óbvio para mim mesma que (não) sou eu - não sou eu. Maria Amélia sempre marca as sextas-feiras treze de cada ano, assim, se alguma coisa de ruim acontecesse teria no que colocar a culpa (dela). Não que acreditasse nisso, só preferia pensar que tinha um bom motivo para tudo dar errado. Maria Amélia chora de vontade, sorri porque tenta mostrá-la e depois fica séria... para não deixar que vejam o que ela anda mostrando: Maria Amélia se contradiz, é tola e se apaixona fácil. Não que eu não goste dela, não é isso. Mas é que às vezes me dá raiva desse jeitinho que ela leva a vida nas costas, sem segurar direito, "cuidado, pode cair". E é tão frágil a vida em que ela mora, que qualquer brisa pode derrubar tantas vezes uma mesma carta, que dá medo pensar no que a brisa faz com ela, misturada entre as copas, ouros, paus e espadas, que são até, mais fortes do que ela, que as escreveu. Ás vezes, eu até diria que essa menina não vive, porque inventa demais para as pessoas que eu conheço e costumam viver. Seu melhor amigo era o carteiro, a melhor amiga a caixa de correio, mas ela estava prestes a conhecer o caos, seu mais novo colega de quem sabe, todos os dias seguintes, se toda a sua construção de cartas caísse.


Acho que nunca fingiu ser outra pessoa, mas o tempo todo fingiu não ser ninguém, ou ficar por baixo dos lençóis do sol do azul, porque em cima, era tudo muito, muito claro. Tão ridiculamente claro, que chegava a ser compreensível, veja só!


Nunca entendi um pouco, nem dois, do que ela sonhava. Era muito para alguém sozinho. E ainda odiava ler pensamentos dos outros, que já tinham passado por sua cabeça antes. Sentia-se imitada, traída, o mundo não era tão justo, então.


Tudo que ela queria, para parar de responder que "não, não está tudo bem", era um amor impossível, mas só servia se fosse bem impossível e complicado mesmo, daqueles que dão preguiça, um gato e uma máquina de escrever os seus sonhos (novos) e dessa vez mais reais, quem (não) sabe.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 3/13/2011 01:01:00 AM | 0 comentários

Não-nada, Não-você



Meus olhos estão em chamas. Não parecem estar. Talvez por que estejam molhados, aos poucos vou deixando essa água cair no chão, e você vai ver. Estão sim, prometo. Estou queimando num fogo frio. Apagando o que ousar crescer e ficar grande o suficiente para ninguém mais conseguir guardar de volta, e deixar guardado, só por deixar... existir em silêncio. De que adianta? Só mais um paradoxo para a coleção. Existirem seus não-risos, o não-cheiro das suas camisetas quadradas e gentis (tanto quanto suas palavras), o cheiro dos seus não-óculos, e das coisas que você lê, ou não lê, não-nada, não você, não sei. Não sei não. Que todo amor platônico, fosse. E só de ser, eu seria. Amor. E teria o amor, que não é.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/17/2011 01:24:00 PM | 6 comentários

Quarto Escuro

Ela me deixou assim, diamante bruto, então, eu deixei ela.
O que antes era pista de qualquer delicadeza, foi embora em meio à palavras rudes, fiquei sem palavras boas para dizer, sem paciência para escutar as dela, contraditórias, doces e desesperadas. É tarde demais, se ela morreu, acho que morreu fora do meu coração, porque está cada vez mais distante, mas espero que esteja bem, ainda que eu não tenha nenhum sorriso para dizer isso.

   Nessas horas, eu queria ser um quarto escuro, com a luz apagada, e poder sumir sem precisar dizer nada. Ninguém me enxergaria, nem poderia acender as luzes.
   Eu vi seu rosto mais de outras cem vezes mas agora tinha cara de problema. Eu fiz ela ir embora de mim, talvez isso seja um problema resolvido. Mas não sei se ainda estou dentro dela, afinal, problemas resolvidos continuam sendo problemas. Prefiro falar que ela foi uma dúvida, se ela preferir assim. Mas agora se existem certezas, são outras...

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/11/2011 03:06:00 PM | 1 comentários

Magenta




Ela me olhava pelos cantos, e a minha vontade era de abraçá-la como nunca antes, como nunca mais. Só porque ela era uma menina, nossos beijos tinham que ser silenciosos, escondidos, embaixo do mundo, sem ver as estrelas que sorriam por um minuto de ar fresco, o beijo mais raro do mundo na frente de todo o céu. Tínhamos mesmo que fingir que éramos apenas boa amigas. Ela tinha uma cara de sono e me mandou um sorriso como quem quer dizer "esqueça isso agora, vamos passar essa tarde, antes que ela passe por cima de nós". Mas eu sabia que ela não queria dizer nada. Estava apenas entediada pela minha falta de beijos, excesso de magenta e de conversas enroladas, fingíamos qualquer assunto, enquanto queríamos rir de uma coincidência, à toa, que minutos depois acharíamos tão sem-graça que riríamos por horas, e eu daria só outro beijo em silêncio, e sem razão para ela ver que eu estava ali de verdade, e ela ia sorrir para mim. Ela, sempre ela, nesse filme velho e batido, acho que ninguém agüenta mais. Só eu, e ela. Só eu, e ela. Eu, e ela. Eu, e ela. Ninguém mais agüenta.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 2/09/2011 05:48:00 PM | 1 comentários

Toco de Lápis

É verdade que todo mundo aprecia um pequeno amor, mesmo que não seja tão bom assim, e que obviamente vai durar menos que o dia que a sua mãe lhe deixou sozinho em casa pela primeira vez.
É claro que de ponta a ponta, o lápis acaba, e essa coisa toda vira só mais um detalhe daquilo que você pensou quando estava caminhando. E então é tudo igual: amor, pastel e beliche. O cheiro e os nomes são um pouco distantes, do que antes pra mim era quase como o especial de natal do fim do ano, e agora eu nem assisto um pingo de televisão. Parece mesmo que quanto mais a gente envelhece, mais essas coisas se banalizam, e ninguém mais faz escândalo ou dá risadinhas quando alguém se beija ou chora de ciúmes.



Os adultos se casam como se estivessem cumprindo alguma coisa que estava marcada desde os cinco anos, quando eles entenderam a foto de noiva da mãe, a cara feia do pai olhando para as contas do fim do mês.


Eu podia passar horas olhando para o teto, procurando uma teia de aranha, pensando em nada. Em como eu tinha nascido e como era incrível que meu coração batesse sozinho. Genial. E então os dias passam em telas de computador, compras, e glacê, a doce cobertura da vida dos outros (doce, por mais que o bolo esteja com um gosto horrível e você comeu discretamente a cobertura e deixou o resto no prato).


Antes de tudo, as férias eram só dias de cafés da manhã maiores, e pular corda até enjoar e fazer uma poção mágica de água e corante, para sair do tédio.


Com doze anos você já o ser humano mais aflito dos últimos tempos, que acha que logo que elas começam já estão acabando, que você não vai encontrar o amor da sua vida molhado de sal, nos 40 graus do verão, como se não houvesse mais ninguém interessante do que o grande babaca que você representa tão bem, mas no fundo não é (tanto assim).


Talvez pelo mesmo motivo que você se acostuma a andar rápido de cavalo, e fica se esbaldando sozinho, no jeito como você acha que anda bem, ninguém nunca vai encontrar o amor como um velho pesadelo, talvez uma meia gasta, que você tem pena de dar, ou jogar fora.

Posted by Menina Radiguet Drubi | às 1/06/2011 02:45:00 AM | 1 comentários